A Casa Branca com poucos hóspedes
O centro de gravidade das relações internacionais está a mudar. O número de chefes de Estado que visitaram Pequim nas últimas duas semanas é bem elucidativo.
O mundo está a mudar aceleradamente. É visível ao longo dos últimos dois anos. O número de chefes de Estado que visitaram Pequim nas últimas duas semanas é bem elucidativo. A China passou a estar politicamente no meio do mundo.
O centro de gravidade das relações internacionais está a mudar. Sorrateira e calmamente a direção chinesa abriu a porta aos gigantes ocidentais para fazerem da China o seu local de produção barato. Todos lampeiros os inteligentíssimos cérebros ocidentais esvaziaram em boa medida a sua base industrial para aproveitar a mão de obra barata chinesa e a ausência de direitos sindicais. Foi o período em que as grandes corporações se enchiam de potes de dinheiro.
Quando acordaram deram conta de duas coisas com alguma importância: grande parte da base industrial estava algures na China; os chineses tinham com toda a sua sabedoria (a sua civilização é anterior à helénica) encontrado maneiras de criar e desenvolver uma base industrial e tecnológica tão avançada como a dos países mais avançados industrialmente.
Desde os anos oitenta do século passado até ao fim da primeira década do novo milénio a China foi acumulando conhecimentos e sem grandes ondas e sem qualquer espécie de problema com outros países concentrando todos os seus esforços no seu desenvolvimento.
Os mandarins deste lado do mundo deram então conta que a China era de facto uma grande potência e, ironia das ironias, foi criada a ameaça chinesa. Porém, é para a China que, nos últimos anos, são enviados aviões e porta-aviões pelos EUA e pela NATO e é por causa da China que se fazem novas alianças entre EUA, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, envolvendo também as Filipinas.
A verdade é que até hoje ninguém viu navios de guerra chineses, nem aviões às portas dos EUA e da Europa. Ao que se sabe a China ameaçou os EUA com um balão que os aviões de guerra dos EUA heroicamente derrubaram.
É certo que o regime chinês deixa muito a desejar no respeito pelos direitos e liberdades democráticas, mas não é de agora; atualmente esta importante questão não se compara com o período que se seguiu a Tiananmen e tal não impediu que os ocidentais achassem ótimo investir à grande, à francesa, à alemã na velha China, esquecendo que foram em busca de lucros e aquilo que procuravam podiam os chineses também procurar – ter lucros, o que todos querem, independentemente da maneira como os obtêm.
Nestes últimos quarenta anos os EUA gastaram triliões em armamento para se afirmarem com a sua liderança mundial; intervieram militarmente em Granada, fomentaram os contra na Nicarágua, em Cuba e intervieram militarmente na Jugoslávia e ocuparam o Afeganistão e o Iraque.
Aliás, defendem a integridade territorial da Ucrânia, mas consideram, na prática, que há duas Chinas, uma delas sem exigência jurídica, ao contrário da ONU e da comunidade internacional que reconhecem haver só uma China.
A política externa dos EUA caracterizou-se pela soma zero, ganhavam eles, perdiam os outros.
A China dirigiu toda a sua política externa para o comércio contrapondo à política de soma zero a de ganhar/ganhar, ou seja, uma relação em que os dois devem ganhar por mais diferentes que sejam os regimes.
A novidade a que estamos assistindo é a seguinte: os regimes ocidentais democráticos liberais no plano das relações internacionais querem a todo o custo impor a hegemonia ocidental, em que prevalece a sua força e o dólar; a China, a Rússia e outros países com regimes autoritários propugnam por um mundo multipolar onde cada país se sinta mais livre para realizar as suas opções.
Entretanto os barcos de guerra e os aviões dos EUA/NATO vão continuar a confluir para a China, embora a ameaça chinesa só chegue aos EUA e à Europa porque os chineses saberem lidar melhor com um mundo de comércio livre tão a gosto dos nossos liberais.
Não admira, pois, que dirigentes europeus, sul-americanos, africanos e asiáticos visitem Pequim. Na verdade, a Casa Branca deixou de ser o centro do mundo.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico