Artrite reumatoide: que doença é esta?

A incidência da doença é duas a quatro vezes maior em mulheres do que em homens. O pico nas mulheres é após a menopausa. Nesta quarta-feira assinala-se o Dia Nacional do Doente com Artrite Reumatoide.

A artrite reumatoide (AR) é uma doença crónica, inflamatória, imunomediada, que se caracteriza pela inflamação das articulações e que pode conduzir à destruição do tecido articular e periarticular. Existe também uma ampla variedade de alterações extra-articulares.

A apresentação pode ser muito variável. A presença de artrite (inflamação nas articulações) é uma característica fundamental da doença. A inflamação articular causa alterações características: edema, dor nas articulações e, por vezes, rubor e calor. Causa também rigidez, uma sensação de prisão dos movimentos, especialmente no início da manhã ou depois de períodos de repouso.

Frequentemente, a doença começa como uma poliartrite simétrica (mais de quatro articulações inchadas e dolorosas, nos dois lados do corpo). Qualquer articulação com membrana sinovial (membrana que reveste algumas articulações e que produz um líquido que lubrifica, nutre e facilita os movimentos articulares) pode ser atingida, mas geralmente afeta primeiro as pequenas articulações das mãos e dos pés. À medida que a doença progride, mais articulações podem inflamar, incluindo ombros, cotovelos, ancas e joelhos.

A ocorrência global de AR é duas a quatro vezes maior em mulheres do que em homens. O pico de incidência nas mulheres é após a menopausa, mas pessoas de todas as idades podem desenvolver a doença, incluindo adolescentes.

Segundo o EpiReumaPT, o maior estudo epidemiológico sobre doenças reumáticas efetuado em Portugal (entre 2011 e 2013), a AR apresenta uma prevalência geral de 0,7% (1,1% no sexo feminino e 0,3% no sexo masculino). Porém, mais relevante do que a sua prevalência, é o seu potencial impacto: no mesmo estudo, ao ser avaliada a qualidade de vida dos doentes reumáticos, pelo inquérito EQ5D, a AR apresentou os piores resultados de todas as patologias reumáticas.

Embora a AR contribua para aumentar a probabilidade de mortalidade dos doentes (diretamente pela doença ou pela iatrogenia da medicação), este número tem vindo a descer de forma substancial nos últimos anos, sobretudo num doente com AR a quem seja feito o diagnóstico precocemente e a quem sejam facultadas as mais adequadas opções terapêuticas.

Porém, mais do que uma entidade estática e de diagnóstico unívoco, a AR tem de passar a ser compreendida como uma doença evolutiva, com expressões patogénicas e clínicas variáveis ao longo da sua evolução, mas em que apenas uma progressão do processo patogénico da doença, com ausência ou insuficiência de intervenção terapêutica capaz de impedir ou retardar esta progressão, levará a um consequente gasto da reserva estrutural e funcional, e ao aparecimento de formas de AR evoluída, verdadeira insuficiência articular (semelhante a qualquer insuficiência crónica de outro órgão ou sistema).

A AR tem assim de deixar de ser entendida como um diagnóstico estático, um “rótulo” absoluto igual para todos os doentes, e passar a ser entendida como um contínuo de situações clínicas distintas ao longo da sua evolução patogénica, desde fases precoces até fases finais de destruição articular.

Poderemos em muito modificar a evolução natural desta doença, e reduzir de forma significativa a sua morbilidade (dor e incapacidade funcional), a sua mortalidade (elevada em relação à população de referência) e os seus custos económicos e sociais diretos e indiretos.

Para isso, é fundamental apostar numa identificação e num diagnóstico precoces de todas as situações de inflamação articular, com o objetivo de fazer a sua referenciação atempada para uma consulta de reumatologia, onde sejam prestados aos doentes os mais adequados cuidados terapêuticos, e assim modificar a história natural da doença e reduzir os indicadores negativos acima referenciados.

A inflamação articular baseia-se sobretudo na presença de uma dor articular com características muito específicas: uma dor que se agrava durante a noite (que leva a despertar noturno), e que se manifesta de forma marcada de manhã ou depois de imobilizações prolongadas (rigidez longa duração) e que melhora com a mobilização articular suave.

Desde há muito que se identificou a inflamação articular como o alvo terapêutico a controlar e abater, existindo atualmente o conceito “Treat to target” como estratégia standard de abordagem de doentes com AR, implicando que em cada momento, e de forma apertada (monitorizando a atividade inflamatória da doença, no mínimo, a cada três meses), se procure atingir o menor grau de inflamação possível, e, se possível, a sua ausência clínica e/ou laboratorial (remissão).

Nos últimos anos, verificou-se um reforço enorme das opções terapêuticas para esta doença, que se vieram adicionar aos clássicos DMARD (medicamentos antirreumáticos modificadores de doença) – primeiro com o aparecimento dos fármacos biotecnológicos (comummente designadas terapêuticas biológicas) e mais recentemente com uma nova classe terapêutica, os tsDMARD (targeted synthetic DMARD, ou DMARD sintéticos de alvo) – fármacos orais sintéticos, projetados com um alvo molecular intracelular específico em mente.

Dentro de todos os DMARD sintéticos investigados até agora, sobressai em absoluto uma família de fármacos, com um mecanismo de ação comum, designados por “inibidores da JAKinase", e tendo como moléculas mais representativas o tofacitinib, o baricitinib, o upadacitinib e o filgotinib (já disponíveis para utilização clínica em Portugal).

Por variadas razões, poderemos considerar que esta nova classe terapêutica representa uma mudança no paradigma terapêutico até agora disponível no tratamento da AR:

  • Assim, enquanto os fármacos biológicos, que são grandes moléculas, exercem a sua ação a nível extracelular, e a mesma resulta na inibição total de uma única citoquina (e portanto de uma única via patogénica), os inibidores da JAKinase são pequenas moléculas que, ao agirem a nível de diferentes alvos intracelulares, vão impactar na ação de várias citoquinas;
  • Por outro lado, os fármacos biológicos requerem uma administração parentérica, apresentam uma longa semivida e implicam uma maior rigidez posológica, enquanto as pequenas moléculas, que são de administração oral, possuem uma curta semivida e, por isso, um maior potencial de flexibilidade terapêutica.

Em conclusão, a utilização desta nova classe terapêutica representa claramente uma mudança de paradigma no tratamento da artrite reumatoide, pois possui características específicas que permitem individualizar o seu posicionamento terapêutico; evidencia uma eficácia robusta e abrangente, incluindo controlo da inflamação, inibição de dano estrutural e melhoria de qualidade de vida e funcionalidade do doente, sendo por isso uma nova opção terapêutica com impacto global no doente com AR, e seguramente com potencial reflexo positivo na avaliação de custo-benefício global da sua utilização clínica.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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