“Desconforto” no PS por suicídio assistido ter primazia sobre a eutanásia

Socialistas esperam que nova redacção da despenalização da morte medicamente assistida consiga agora satisfazer todas as dúvidas dos juízes do TC.

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Eurico Brilhante Dias reconhece que deputados do PS preferiam a primeira solução Rui Gaudencio

A nova redacção para a lei da despenalização da morte medicamente assistida, em que só se permite o acesso à eutanásia se for fisicamente impossível ao doente auto-administrar os fármacos (suicídio assistido), está a causar algum "desconforto" na bancada parlamentar do PS. Quem o admite é Eurico Brilhante Dias, que conta que alguns deputados socialistas consideravam o regime defendido até agora (de primazia da eutanásia) o ideal para resolver a questão.

As alterações consensualizadas entre PS, IL, BE e PAN (os partidos que apresentaram diplomas sobre o assunto) vão ser discutidas e votadas nesta sexta-feira de manhã, para tentar responder à declaração de inconstitucionalidade do conceito de sofrimento, que os juízes rejeitaram alegando não ser claro se se pretendia considerar como critério só um tipo de sofrimento ou todos em acumulação – físico, psicológico e espiritual.

Em declarações aos jornalistas no Parlamento, o líder parlamentar do PS afirmou que os partidos tentaram "responder ao que podia ser assinalado como uma inconstitucionalidade", ou seja, a questão de não haver subsidiariedade entre a eutanásia e o suicídio, como apontaram seis juízes nas suas declarações de voto. "Damos um passo em frente para conformar o texto com as declarações de voto e termos uma boa lei da morte medicamente assistida", assumiu.

"Muitos de nós não se sentem absolutamente confortáveis com essa solução, preferiam a solução que tínhamos no diploma original, mas também percebemos que para termos uma lei que chegue às pessoas e lhes acuda temos que olhar para o conjunto do acórdão, incluindo declarações de voto. Foi isso que fizemos", descreveu Eurico Brilhante Dias.

"A primeira dimensão e única que o acórdão trouxe dizia respeito à interpretação do 'e' [na expressão sofrimento físico, psicológico e espiritual] e se esse 'e' também podia ser 'ou'. Foi para nós uma surpresa e por isso procurámos resolver algum mal-entendido sobre essa questão. Mas numa leitura atenta das declarações de voto dos juízes vimos que emergia uma outra questão e procurámos antecipar e responder ao que podia ser assinalado como uma eventual inconstitucionalidade, fazendo com que a morte medicamente assistida fosse subsidiária face ao suicídio assistido."

Questionado pelo PÚBLICO sobre se o PS considera que agora conseguiu abranger todos os "buracos" que a lei possa ter, Eurico Brilhante Dias disse ter a "convicção" de que o texto é "mais robusto", mas não avançou certezas: "Também o considerávamos da última vez que o enviámos [para promulgação]..."

"Acima de tudo, espero, pelas pessoas que esperam por esta lei, que o conjunto dos órgãos de soberania perceba que todo o exercício que nós, enquanto legislador fizemos, é honesto e justo e que acreditamos que responde à Constituição", acrescentou o líder parlamentar socialista numa mensagem nitidamente direccionada ao Presidente da República e aos juízes do TC.

O bloquista Pedro Filipe Soares usou igualmente o termo "passo em frente" para dizer que os deputados souberam ler todo o acórdão do TC para, "preventivamente", fazer as propostas de alteração que "pareciam conjugar o mais relevante das opiniões dos juízes, em particular a questão entre a eutanásia e o suicídio assistido". Além da "melhoria semântica" relativamente ao conceito de sofrimento.

"Estamos certos que o Presidente da República fará questão de enviar o texto para o TC", admitiu ainda o líder parlamentar do Bloco, insistindo que a lei será sempre "um avanço face aos direitos" pessoais.

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