Por trilhos nunca dantes pedalados...

Garanta-se a manutenção da rede de mais de 25.000 quilómetros de percursos para bicicleta. Tal competirá principalmente aos promotores locais, mas importa que o poder central assegure os recursos.

Para os aficionados do pedal, Portugal apresenta cada vez mais e melhores desafios para saciar a fome de quilómetros e experiências proporcionadas pela, e a propósito, da bicicleta. A variedade paisagística e cultural, bem como os diferentes tipos de piso e graus de exigência técnica e física dos percursos que integram a rede ciclável Cyclin’ Portugal atinge, este ano, uma amplitude inédita e aliciante, ao nível dos melhores destinos internacionais. E que pode ser comprovada no Anuário Cyclin’Portugal 2023, disponível gratuitamente, com percursos, sugestões e ideias para pedalar, por esse país acima (e abaixo).

De facto, em complemento aos percursos para bicicleta de estrada e todo-o-terreno, o recente mapeamento de troços “gravel” (percursos com piso de gravilha, também chamados “estradões”) em várias zonas do país veio diversificar a oferta destinada aos vários apetites velocipédicos da comunidade crescente de ciclistas de recreio e lazer.

Garanta-se, pois, a adequada manutenção e ativação desta vasta e exemplar rede com mais de 25.000 quilómetros em todo o país. Tal responsabilidade competirá principalmente aos promotores locais, mas importa que a Administração Central assegure os recursos necessários para que seja cumprida a medida E1-9 da Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável (ENMAC) – publicada há quase quatro anos, mas ainda a pedalar com rodinhas... Assegure-se uma utilização responsável e sustentável destes magníficos percursos naturais e, sobretudo, promovam-se os territórios por esta servidos, dado que a infraestruturação dos territórios é condição necessária, mas não suficiente, para que os benefícios económicos e sociais do turismo com bicicleta se façam sentir.

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Rui Oliveira

Neste contexto, será crucial reforçar a formação especializada de agentes e operadores, a par com uma promoção orientada para públicos-alvo variados, que importa conhecer em profundidade, em Portugal e no estrangeiro. Para tal, é mais relevante que nunca reforçar a articulação entre a Federação Portuguesa de Ciclismo e os parceiros institucionais, públicos e privados, envolvidos neste segmento turístico estratégico, como forma de potenciar o retorno do investimento em ciclovias e outras infraestruturas, obtendo sinergias ao nível local, regional e nacional.

Eventos como a cimeira anual da IMBA-Europe ou a Semana Europeia de Cicloturismo, que terá lugar em Plasencia (Espanha), constituem bons exemplos da dinâmica que o setor demonstra no continente europeu (e não só). Por cá, a realização da quarta edição do Fórum Cyclin’ Portugal, a 10 e 11 de março, em Arouca, assume-se como um momento privilegiado para o encontro de profissionais, técnicos, dirigentes e entusiastas que desenvolvem atividade nesta área tão promissora, visando a formulação e implementação de estratégias e práticas de sucesso, a identificação de desafios e formas de os superar, e a compreensão de um mercado que equilibra o antigo e o novo.

Com efeito, o turismo ativo e o cicloturismo não são novidade. O exemplo de Marie Curie, a primeira mulher a quem foi atribuído um prémio Nobel e a única pessoa, até hoje, com dois prémios Nobel em áreas distintas (Física, em 1903, e Química, em 1911)​, que celebrou a lua-de-mel viajando de bicicleta com o marido no norte de França, nos idos de 1885 – uma de várias viagens que ambos fizeram ao longo da vida, sem GPS, smartphone, mas apenas paixão – é ilustrativo do (en)canto do velocípede em contexto de recreio, bem antes do automóvel enxamear de (des)encanto as nossas cidades e serras. Em contraste, na atualidade, quem opta por “aventurar-se” por estradas e trilhos cicláveis prefere usualmente o conforto e segurança proporcionados pelas mais recentes tecnologias de informação e comunicação, customizando e amplificando a sua experiência, de acordo com as preferências.

Talvez seja este equilíbrio entre o digital e o físico, entre o conhecimento prévio e o deslumbramento, entre a partilha (de momentos, memórias e imagens) e a experiência individual, por detrás do apelo sentido por cada vez mais praticantes, incluindo famílias e mulheres, a desbravarem, a pedal, novos territórios. Ao seu ritmo.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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