Ténis doados à empresa Dow para reciclar foram encontrados à venda na Indonésia

A Reuters usou um localizador para seguir o rasto a uns ténis doados a uma gigante petroquímica dos EUA, que deveria reciclá-los na construção de parques infantis. Apareceram à venda na Indonésia.

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Os sapatos expostos numa sapataria em Batam, Indonésia, 4 de Agosto de 2022 Reuters/JOE BROCK
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Uma trabalhadora escolhe sapatos em segunda mão num armazém da Yok Impex Reuters/JOSEPH CAMPBELL
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O repórter da Reuters Joe Brock negoceia com um vendedor para comprar de volta o seu próprio par de sapatos em segunda mão Reuters/YUDDY CAHYA BUDIMAN

Num mercado degradado na ilha indonésia de Batam, ouvia-se um pequeno localizador a apitar na parte de trás de uma loja decadente de sapatos em segunda mão. Um repórter da Reuters seguiu o som agudo até um monte de sapatilhas velhas e começou a escavar no monte de calçado.

E ali estava: um par de sapatilhas de corrida Nike azuis com um dispositivo de localização escondido numa das solas.

Estes sapatos viajaram por terra, depois por mar e atravessaram uma fronteira internacional antes de acabarem nesta pilha. Não era suposto estarem aqui.

Cinco meses antes, em Julho de 2022, a Reuters tinha dado os sapatos a um programa de reciclagem liderado pelo governo de Singapura e pela gigante petroquímica norte-americana Dow Inc. (EUA). Em comunicados de imprensa e num vídeo promocional publicado online, esse esforço prometia colher as solas e outros componentes de borracha dos sapatos doados, e depois moer o material esponjoso e utilizá-lo na construção de novos parques infantis e pistas de corrida em Singapura.

A Dow, um importante produtor de químicos utilizados na produção de plásticos e outros materiais sintéticos, teve outros esforços de reciclagem no passado que ficaram aquém dos objectivos prometidos. A Reuters quis seguir, do princípio ao fim, a viagem de um par de sapatos doado para ver se este acabava, de facto, em novas superfícies desportivas em Singapura, ou pelo menos se chegava a uma instalação de reciclagem local para trituração.

Para isso, a organização jornalística cortou uma cavidade oca na sola interior de um dos Nikes azuis, colocou um localizador Bluetooth no interior e escondeu o dispositivo, cobrindo-o com a palmilha. O localizador foi sincronizado com uma aplicação para smartphone que mostrava para onde se deslocava em tempo real.

Par de sapatos localizados desde Singapura até Jacarta Reuters
Um dispositivo de localização colocado num sapato Reuters
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Par de sapatos localizados desde Singapura até Jacarta Reuters

Em poucas semanas, as Nikes azuis tinham deixado a próspera cidade-estado e deslocavam-se por mar para sul, através do Estreito de Singapura, até à ilha de Batam, mostrava a aplicação. A Reuters decidiu colocar localizadores em mais dez pares de sapatos doados para ver se a viagem do par número um tinha sido um acaso.

Não tinha.

Nenhum dos 11 pares de sapatos doados pela Reuters foi utilizado para construir pistas de exercício ou parques infantis em Singapura.

Em vez disso, quase todos os sapatos localizados acabaram nas mãos da Yok Impex Pte Ltd, uma exportadora de bens em segunda mão de Singapura, de acordo com os localizadores e o gestor logístico da exportadora. O gerente disse que foi contratado por uma empresa de gestão de resíduos, envolvida no programa de reciclagem, para recolher sapatos dos contentores de donativos e entregá-los no seu armazém.

Mas não foi isso que aconteceu com os sapatos doados pela Reuters. Os trackers de localização mostraram que dez pares que estavam nos contentores de doações foram movidos para as instalações do exportador, e depois para outras zonas da Indonésia, em alguns casos viajando centenas de quilómetros para diferentes cantos do vasto arquipélago.

Usando a aplicação smartphone para rastrear o movimento de cada sapato, os jornalistas da Reuters viajaram por ar, terra e mar para recuperar três pares - incluindo o par da Nike azul - de bazares lotados de pessoas em Jacarta, capital da Indonésia, e em Batam, que fica 19,3 quilómetros a sul de Singapura. Quatro pares acabaram em locais na Indonésia demasiado remotos para a Reuters os localizar pessoalmente. Em três outros casos, os localizadores deixaram de enviar um sinal após terem chegado à Indonésia.

O 11.º par permanece em Singapura, mas o seu destino não é o que a Dow e o Sport Singapore tinham prometido nos comunicados de imprensa e num vídeo promocional publicado online. Esses sapatos - um par de Reeboks brancos masculinos - acabaram num projecto de habitação pública a cerca de 1,6 quilómetros do centro desportivo comunitário onde a Reuters tinha deixado as sapatilhas num dos contentores de doações, no dia 8 de Setembro. O seu localizador ainda pisca desse local, de acordo com a aplicação, uma indicação de que podem ter sido retirados do local dos donativos. A Reuters visitou o projecto de habitação, mas não conseguiu encontrar a localização exacta dos sapatos.

Confrontada com as conclusões da Reuters no início deste ano, a Dow disse, a 18 de Janeiro, que tinha aberto uma investigação juntamente com o Sport Singapore, uma agência estatal, e outros patrocinadores do programa: O retalhista francês de artigos desportivos Decathlon S.A.; o gigante bancário Standard Chartered plc; ALBA W&H Smart City Pte. Ltd (Alba-WH), uma empresa local de gestão de resíduos; e B.T. Sports Pte Ltd, uma empresa de Singapura responsável por triturar o calçado doado numa instalação local.

Em 22 de Fevereiro, a Dow declarou por e-mail à Reuters que a investigação tinha sido concluída e que, como resultado, a Yok Impex seria retirada do projecto com efeitos a partir de 1 de Março. Não explicou porque é que uma exportadora de roupa usada tinha estado envolvida na recolha de calçado dos contentores de donativos, mas disse que os parceiros do programa estavam agora à procura de outra empresa para recolher os sapatos.

"Os parceiros do projecto não toleram qualquer remoção ou exportação não autorizada de sapatos recolhidos através deste programa e continuam empenhados em salvaguardar a integridade do processo de recolha e reciclagem", disse a declaração emitida pela Dow em nome de todos os patrocinadores.

Os repórteres da Reuters visitaram as instalações da Yok Impex no dia 23 de Fevereiro para perguntar se a empresa tinha sido retirada do projecto. O contabilista da Yok Impex, June Peh, disse à Reuters que a empresa abandonaria o programa quando o seu contrato de um ano acabasse, sem dar uma razão ou data exacta para a sua saída.

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Contentores vazios do programa de reciclagem de sapatos patrocinado pela Dow, no exterior de um armazém da Yok Impex Reuters

Em Janeiro, a Decathlon enviou à Reuters uma declaração que dizia que não tinha autorizado a exportação de qualquer calçado do programa. A Standard Chartered e B.T. Sports não responderam aos pedidos de comentário. A Sport Singapore e a Alba-WH encaminharam as perguntas para a Dow. Alba-WH é uma parceria entre a ALBA Group, uma importante empresa alemã de gestão de resíduos, e a Wah & Hua Pte Ltd, uma empresa de eliminação de resíduos de Singapura. As duas empresas não responderam aos pedidos de comentário enviados por e-mail.

A viagem de 11 pares de sapatos durante seis meses

Todo o calçado foi colocado em diferentes pontos de doação à volta de Singapura entre 14 de Julho e 9 de Setembro do ano passado. Embora a amostra fosse pequena, o facto de nenhum destes sapatos ter chegado a uma instalação de reciclagem em Singapura realça as fraquezas do projecto.

Estas conclusões chegam numa altura em que grupos ambientalistas dizem que empresas químicas, como a Dow, estão a fazer afirmações exageradas ou falsas sobre reciclagem para abrilhantar as suas credenciais verdes, e para minar os regulamentos propostos para controlar a crescente produção de plásticos utilizados em embalagens de utilização única e de forma rápida.

Os sapatos doados que acabam na Indonésia juntam-se a uma inundação de roupa usada ilegal que está a crescer no país em desenvolvimento, de acordo com um alto funcionário do governo da Indonésia. O funcionário acrescentou que estas peças usadas são um risco de saúde pública, que prejudicam a indústria têxtil local e que, muitas vezes, empilham mais resíduos nos já sobrelotados aterros sanitários daquele país.

A Dow disse à Reuters que o projecto de calçado de Singapura estava a progredir. Uma instalação desportiva em construção em Jurong, um distrito na parte ocidental de Singapura, utilizará material de calçado reciclado nas suas superfícies, disse a Dow na sua declaração de Janeiro.

A empresa também apontou o Kallang Football Hub, um novo complexo de futebol cuja pista de corrida foi supostamente a primeira em Singapura a ser feita a partir de granulado de sapato reciclado. A Dow referiu que estas construções vão utilizar os 10.000 quilos de material de sapatos reciclados que foram produzidos até agora através do projecto de reciclagem de Singapura.

A Reuters não conseguiu verificar se estas superfícies desportivas tinham sido feitas porque ambos os complexos estão em construção e isolados do público.

Um projecto-piloto em 2019 reuniu 21.000 pares de sapatos, disse Paul Fong, gerente da Dow em Singapura, num vídeo promocional publicado nos meios de comunicação social em Julho de 2021, quando o programa nacional foi lançado. Outro projecto-piloto em 2020 recolheu 75.000 pares de sapatos, disse Fong nesse vídeo. O gerente de Singapura não respondeu às perguntas enviadas por e-mail.

A Dow e os seus parceiros recusaram-se a dizer quantos dos sapatos recolhidos durante a fase-piloto tinham sido usados para ser reciclados, nem forneceram os números do lançamento da campanha a nível nacional. Também não explicaram que procedimentos estavam em vigor para garantir que os sapatos doados não fossem exportados, desviados para revenda ou roubados de contentores.

Localizadores escondidos

A Dow fabrica borracha de silicone e plástico utilizada em solas e entressolas de calçado desportivo. A multinacional e a Sport Singapore disseram, nos seus comunicados de imprensa de 2021, que o seu programa, "o primeiro do seu género", desviaria anualmente 170.000 pares de sapatos de aterros sanitários. Os parceiros do programa não responderam a perguntas sobre o que aconteceria a estes sapatos ou quantos seriam reciclados para fazer superfícies desportivas.

Sob o lema "Outros vêem um sapato velho. Nós vemos o futuro", apelaram ao público para doar sapatos usados com sola emborrachada para ajudar a aliviar o fardo das incineradoras de Singapura e o seu único aterro sanitário.

Dezenas de contentores para doações foram colocados em toda a cidade-estado de 5,6 milhões de pessoas. Estes contentores apareceram em parques, centros comunitários, escolas e lojas do patrocinador Decathlon. Os residentes de Singapura começaram a depositar milhares de ténis usados, chinelos de dedo e sapatos de criança. No vídeo promocional, membros do público, incluindo crianças das escolas, falaram entusiasticamente sobre a doação feita no projecto.

"Contribuí com 15 pares de sapatos", disse o estudante Zhang Youjia no vídeo, que foi produzido pela Dow.

Os dez pares doados pela Reuters que acabaram exportados foram inicialmente movidos dos contentores de reciclagem para o armazém de Yok Impex, situado no oeste de Singapura, perto do maior estaleiro da ilha.

De lá, os sapatos viajaram por mar até Batam, um ponto de entrada de mercadorias que chegam à Indonésia, que tem uma população de mais de 270 milhões de pessoas, a quarta maior do mundo.

Guiada pela aplicação de smartphone, a Reuters, em Dezembro, seguiu dois dos localizadores para o mesmo local em Batam: Pertokoan Cipta Prima, um mercado de rua em expansão que abastece os compradores de baixos rendimentos. Ali, dezenas de vendedores, em filas de lojas de betão em ruínas remendadas com lona e chapas metálicas, vendiam tudo, desde T-shirts e frigoríficos a brinquedos de plástico.

A agência de notícias viu meia dúzia de lojas a vender sapatos usados, todas agrupadas na mesma área. Em três delas, a Reuters viu calçado enfiado em sacos estampados com as palavras "Yok Impex", juntamente com o logótipo do golfinho da empresa de Singapura.

Os primeiros pares a serem localizados foram as sapatilhas de corrida Nike azuis. A aplicação levou os jornalistas a uma loja de sapatos sombria e desorganizada. Mas os ténis não estavam em exposição. Usando uma função na aplicação para que o rastreador começasse a apitar, um repórter seguiu o som até às traseiras da loja, localizando finalmente os Nikes no fundo de um monte de calçado solto. Tinham passado cinco meses desde que a Reuters os tinha depositado num contentor de doação numa loja Decathlon em Singapura. A Reuters comprou-os de volta por 180.000 rupias (11,2 euros).

O segundo rastreador - enfiado nuns ténis da Nike pretos de mulher - estava localizado numa loja próxima. A Reuters tinha colocado esses sapatos num contentor de reciclagem Dow, num centro comunitário de Singapura, em Setembro, três meses antes. Custaram 120.000 rupias (7,5 euros) para os comprar de novo.

Outros sapatos foram numa viagem bem mais longa.

Um percurso incrível

Um par de ténis rosa e laranja New Balance - doados pela Reuters em Singapura no dia 7 de Setembro - aterrou também no mercado Batam uma semana mais tarde, mostrou a aplicação de rastreio. No início de Outubro, tinham sido deslocados para uma ilha próxima chamada Bintan, antes de percorrem uma viagem de 643 quilómetros até Medan, uma cidade de 2,4 milhões de pessoas no norte de Sumatra. No dia 10 de Outubro, os sapatos viajaram mais 1287 quilómetros até Jacarta, capital da Indonésia, de acordo com a aplicação.

A indústria de roupa em segunda mão da Indonésia é constituída por uma rede complexa de comerciantes, e estes trocam frequentemente mercadorias entre regiões diferentes, disseram à Reuters dois comerciantes de vestuário.

Três semanas depois, a 1 de Novembro, dois repórteres da Reuters revistaram um centro comercial frenético em Jacarta à procura dos sapatos, acabando por os descobrir numa loja apertada no terceiro andar. Os ténis, acabados de limpar e equipados com um novo par de atacadores, cruzaram a Indonésia numa maratona de oito semanas de viagem. Custaram à Reuters 300.000 rupias (18,7 euros) para os comprar de volta.

Para saber mais sobre o papel da Yok Impex no transporte destes sapatos, a Reuters, a 6 de Janeiro de 2023, fez uma visita sem aviso prévio àquele exportador de roupa usada, e foi convidada a visitar as instalações. Ali os repórteres avistaram contentores de doação do programa de sapatos da Dow empilhados num quintal. No interior, as mulheres percorriam as mesas cheias de sapatos velhos amontoados, separando-os e colocando-os cuidadosamente em pilhas que eram depois colocadas em sacos como os vistos no mercado de rua de Batam.

O gerente logístico de Yok Impex, Tony Tan, disse à Reuters que o manipulador de resíduos Alba-WH estava a pagar à sua empresa para recolher os sapatos das caixas de donativos em Singapura e depois entregar os sapatos de volta à Alba-WH.

Tan disse que a Yok Impex não exportava os sapatos que recolhia para o programa. Quando foi informado de que a Reuters tinha encontrado sapatos que tinha doado para serem revendidos em Batam por comerciantes que tinham sacos Yok Impex nas suas lojas, Tan disse que era possível que os sapatos do programa tivessem sido colocados em erro com outros sapatos que exportavam para a Indonésia.

"Por vezes, os trabalhadores misturam tudo. Não tenho a certeza, porque todos nós recolhemos de outros fornecedores", disse Tan. "É um erro. Penso que é um erro". Tan não elaborou.

O comércio banido

Em 2015, o Ministério do Comércio da Indonésia introduziu o decreto de Proibição da Importação de Roupa Usada. A medida proibiu a importação de vestuário e calçado usado por preocupações com a higiene e pelo facto de estes artigos poderem propagar doenças, bem como a necessidade de proteger a indústria têxtil local.

Veri Anggrijono, director-geral de Protecção do Consumidor e Controlo do Comércio no Ministério do Comércio, disse à Reuters que o mercado ilegal de importação de vestuário em segunda mão na Indonésia vale milhões de dólares por ano.

"É uma actividade bem organizada porque quando os revistamos um lugar, a situação acalma, e depois continuam de novo", disse Anggrijono à Reuters numa entrevista no seu escritório em Jacarta. Ele disse que o importador é a parte responsável nos termos da lei, não o exportador ou o vendedor do mercado.

Anggrijono afirmou que os importadores podem ser acusados ao abrigo das leis comerciais e de protecção do consumidor, que prevêem sanções que podem incluir penas de prisão e multas. Mas disse que, até agora, a única acção que o Ministério do Comércio tomou foi a revogação das licenças de importação, bem como a apreensão e destruição de vestuário usado.

Uma avalanche de roupa em segunda mão barata e não regulamentada que flui para a Indonésia também contribui para o problema do lixo crescente no país, disse Dharmesh Shah, um conselheiro político da Aliança Global para Alternativas de Incineradores, uma organização sem fins lucrativos que trabalha na poluição por resíduos. Ele disse que grande parte dessa mercadoria está em tão mau estado que os vendedores não a podem revender.

"Eles separam isto e uma percentagem muito pequena é de facto reutilizável", disse Shah à Reuters. "O resto é queimado em lixeiras abertas ou vai para rios ou aterros sanitários".

Dois vendedores de mercado em Batam, que pediram para não serem nomeados, disseram à Reuters que compram sacos de sapatos de diferentes qualidades a comerciantes de roupa usada como o Yok Impex, mas não sabem exactamente o que estão a receber até que os abrem. Disseram que não é invulgar deitar fora metade dos sapatos que recebem porque o calçado não é suficientemente bom para ser vendido.

Fracassos de reciclagem

Este não é o primeiro esquema de reciclagem lançado pela Dow que não tem honrado a sua facturação.

Em 2021, uma investigação da Reuters descobriu que um programa em Idaho em que a empresa disse estar a utilizar tecnologia inovadora para transformar resíduos de plástico em combustível limpo estava, na realidade, a queimar lixo plástico para alimentar uma fábrica de cimento.

Na altura, um porta-voz da Dow disse que o programa Boise estava a ajudar a "transformar os resíduos em produtos valiosos".

No mesmo ano, a Reuters descobriu que um projecto apoiado pela Dow na Índia, que deveria recolher lixo plástico do rio Ganges e utilizar maquinaria de alta tecnologia para transformar os resíduos em combustível limpo, tinha sido encerrado na sequência de avarias regulares do equipamento.

O projecto da Índia foi gerido por o The Alliance To End Plastic Waste (AEPW), um grupo sem fins lucrativos criado por grandes empresas petrolíferas e químicas. Na altura, um porta-voz da AEPW confirmou que o projecto tinha terminado, em parte devido à pandemia de covid-19.

Vender a promessa de novas tecnologias de reciclagem, seja para transformar sapatos em parques infantis ou sacos de plástico em combustível limpo, é uma tentativa de levar o público a uma falsa sensação de segurança sobre o impacto ambiental do aumento do consumismo, dizem grupos ambientais como o Greenpeace e Break Free From Plastic.

A Dow recusou fazer mais comentários sobre essas alegações ou sobre o seu historial em matéria de reciclagem.

Jan Dell, fundador da The Last Beach Cleanup, uma organização sem fins lucrativos dos EUA centrada na redução da poluição plástica, disse que as grandes empresas petroquímicas deveriam ter que relatar os resultados dos seus projectos de sustentabilidade com a mesma transparência que as partes lucrativas do negócio.

"A Dow prometeu pegar nestes sapatos, reciclar os materiais e transformá-los em parques infantis, e em vez disso estão a ser encontrados noutro país. Não se pode acreditar neles", disse Dell, depois de lhes terem sido dados os pormenores sobre as descobertas da Reuters.

As promessas sobre novas tecnologias de reciclagem também fazem sentido para o sucesso comercial das empresas petroquímicas, segundo Dell, que disse que a cultura de consumo descartável é boa para os lucros destas empresas. As pessoas têm mais tendência a comprar mais de um produto quando lhes é dito que pode ser reciclado em algo útil, de acordo com um estudo de 2013 no Journal of Consumer Psychology.

Na declaração de 18 de Janeiro, a Dow disse que os parceiros de reciclagem de calçado estão "unidos pela visão comum de defender uma Singapura mais verde e mais sustentável". A Dow não comentou o estudo do Journal of Consumer Psychology.

Em Julho do ano passado, a Dow lançou um programa semelhante de reciclagem de calçado na Malásia, que tem uma população de 33 milhões de pessoas e é vizinha de Singapura, a norte. Ao promover esse projecto, Fong, gerente da Dow em Singapura, apontou o programa de sapatos do seu país como o projecto para o sucesso. Para a sua iniciativa malaia, a Dow associou-se a uma empresa local sem fins lucrativos e a uma empresa têxtil. Nenhuma das duas respondeu a pedidos de comentário.

De volta a Singapura, os esforços da Dow já estão a ganhar elogios.

Na noite de 6 de Outubro, Fong e outros parceiros do programa de reciclagem de sapatos de Singapura subiram ao palco de um elegante salão de baile no resort de praia do Hotel Equarius, na ilha de Sentosa, mesmo à saída do continente. Aí receberam o prémio "Colaboração Mais Sustentável" num evento glamoroso organizado pela Câmara de Comércio Internacional de Singapura, a mais antiga associação empresarial da cidade-estado.