Hiroxima, meu amor!

O leitor Mário Menezes conta a sua visita à cidade japonesa que “renasceu das cinzas” da bomba atómica e que, sem esquecer o passado, vibra de vida. Em tempos de guerra, uma viagem com desejos de paz.

Fotogaleria
Hiroxima, Parque Memorial da Paz, Genbaku dr
Fotogaleria
Hiroxima - vista da Ponte Aioi para o Parque Memorial da Paz com destaque para o Genbaku dr
Fotogaleria
Hiroshima - Memorial das crianças vítimas da Guerra dr
Fotogaleria
Hiroshima - Parque Memorial da Paz – Memorial dr
Fotogaleria
Hiroshima - Parque Memorial da Paz – Memorial dr
Fotogaleria
Hiroshima - Parque Memorial da Paz – Memorial. Sino da Paz dr
Fotogaleria
Hiroshima-Castelo-Edifício pricipal dr
Fotogaleria
Hiroshima -Complexo do Castelo dr

Em criança, quando ouvia a música dos Da Vinci "Hi-ro-xiiii-maaa, meu amo-oor", esse nome não me saía do ouvido. Então, a minha mãe explicou-me que Hiroxima fica no Japão e que lá foi experimentada a bomba atómica.

Nós mudamos com as viagens que fazemos e Hiroxima e Auschwitz foram os locais que mais mudaram a minha forma de ver o mundo e o nível de apreço pelo meu semelhante.

A 8 de Maio a Europa comemora o final da II Guerra Mundial com a rendição da Alemanha, mas na realidade esse conflito acabou mais tarde e do outro lado do mundo: em Hiroxima e Nagasáqui, onde foram lançadas duas bombas atómicas. O ataque norte-americano surtiu o efeito pretendido e pôs fim ao conflito armado, com a rendição do Japão, que ainda não resistia à tentação de expandir o seu Império. Ainda hoje se questiona se essa solução radical seria mesmo necessária. No Ocidente defende-se que sim, por se entender que o Japão não se renderia, mas no País do Sol Nascente as bombas atómicas foram vistas como uma forma de os EUA mostrarem à URSS o seu poderio de destruição em massa, dado que a URSS preparava-se para disputar com os japoneses territórios do Pacífico. Os japoneses renderam-se aos americanos de imediato e não aos soviéticos. A Guerra Fria começou aí...

Foto
Hiroshima - Memorial das crianças vítimas da Guerra

Destruída por uma bomba atómica, tendo sido a primeira cidade do mundo a ser alvo de um ataque nuclear, Hiroxima renasceu das cinzas. Hoje é uma cidade com cerca de dois milhões de habitantes, moderna, limpa, com qualidade de vida e um destino gastronómico onde o okonomiyaki (género de omelete) é manjar tradicional. A partir de Tóquio, pode chegar-se a Hiroxima utilizando o Shinkansen, comboio a alta velocidade: são cerca de 900km em cinco horas, com horários cumpridos ao segundo. Local de culto para quem visita o Japão, é servida por bons meios de transporte, mas a pé consegue-se conhecer os pontos principais, maioritariamente localizados na zona central. A cidade expande-se por várias ilhas e canais e a região é fortemente industrializada, sendo a sede, por exemplo, da Mazda.

No Parque Memorial da Paz, o apelo à paz é uma constante. O Genbaku, um edifício que foi construído para a promoção industrial da cidade, um centro de exposições; arrasado pela bomba, que explodiu a escassos 150m, está hoje em ruínas. É mantido assim como forma de homenagear as vítimas da tragédia, que matou instantaneamente mais de 70 mil pessoas. Muitas outras viriam a morrer depois, devido a ferimentos graves e à radiação, com um impacto sentido até aos dias de hoje, com sequelas físicas e mentais.

Foto
A placa do Sino da Paz

Outro edifício que ficou parcialmente destruído pela bomba atómica foi uma antiga loja de quimonos junto à antiga ponte Motoyasu, que durante a guerra estava ocupada por serviços do município. Aquando da explosão, dos 47 funcionários, só o que estava no porão a recuperar documentos sobreviveu. Actualmente é um local de informação turística e é possível visitar o porão.

Percorrendo o parque chegamos ao Sino da Paz, que somos convidados a tocar para que seja ouvido por toda a gente em todo o mundo e para que as armas nucleares não voltem a ser usadas. Há ainda outro sino, representativo do memorial das crianças vítimas da Guerra, que também somos convidados a tocar. São momentos arrepiantes.

De todos estes memoriais e monumentos, o mais famoso é o Monumento em Memória das Vítimas Coreanas da Bomba Atómica, que, além destas, também homenageia as vítimas do colonialismo nipónico. Dada a sua forma em "U" invertido, pelo meio deste consegue-se observar a chama da paz que está permanentemente acesa e o Genbaku.

No museu do Memorial da Paz, vários objectos mostram a transformação sofrida com a energia da bomba
No museu do Memorial da Paz, vários objectos mostram a transformação sofrida com a energia da bomba
Fotogaleria
No museu do Memorial da Paz, vários objectos mostram a transformação sofrida com a energia da bomba

A visita ao Museu Memorial da Paz de Hiroxima concluiu esta manhã chuvosa. Lá dentro há muita informação sobre guerra nuclear, modelos à escala das bombas lançadas sobre Hiroxima e Nagasáqui (baptizadas pelos norte-americanos como, respectivamente, Little Boy e Fat Man), além de muitos objectos transformados pela energia libertada pela bomba. Impressionante também a animação virtual em 3D do ataque nuclear, que mostra como em poucos segundos a cidade ficou reduzida a cinzas.

A tarde foi passada na ilha de Miyajima. Acessível de comboio suburbano e depois de ferry boat, é considerada sagrada pelos nipónicos. Um local de culto do xintoísmo, onde a paz parece pairar no ar. Percorrendo todos os locais e templos, com a companhia dos cervos, animais sagrados tidos como mensageiros dos deuses. Sobressai à entrada da ilha a porta, Torii, símbolo do xintoísmo, a mais famosa do Japão, dentro do mar.

Foto
A Ilha de Miyajima, famosa pela porta Torii no mar

A manhã seguinte foi destinada ao Castelo de Hiroxima, uma fortaleza típica de arquitectura nipónica. A vista do topo foi o cenário ideal para o meu ritual de despedida. Ainda tive tempo de posar com as vestes tradicionais de estilo samurai e guardar as fotos para a posteridade, assim como as memórias e as lições de vida que estes dias me deram. Ao contrário de Tóquio ou Osaca, que andam "a mil à hora", Hiroxima é um local onde paramos para pensar.

A caminho do hotel-cápsula onde deixei as malas, parei na Ponte Aioi, agora reconstruída e que serviu de alvo para a bomba. Daí contemplei pela última vez o Parque Memorial da Paz e o Genbaku, e em silêncio expressei o meu desejo de paz para todo o mundo. E foi a bordo de um dos eléctricos típicos e antigos que segui para a estação de comboio, com destino a Quioto.

Numa altura em que se fala em ameaça de guerra nuclear, recordo estes dias com desejo de paz.

Mário Menezes (texto e fotos)
Autor de alguns textos em Amantes de Viagens

Sugerir correcção
Comentar