Negociar sem comprometer a salvação do SNS

O bom negociador reconhece que as negociações não se podem distender no tempo, porque em cada mês que passa o SNS perde muitos dos seus melhores médicos.

Ao escrever o título deste artigo, soou-me a catastrofista. Será que o SNS está assim tão mal, que precisa de ser salvo? Tenho a sensação de que está num momento crítico, em que ainda se pode robustecer e voltar à pujança que lhe reconhecíamos, ou definhar cada vez mais, e ficar como o último reduto dos pobres e dos doentes demasiado graves, em que o seguro se esgotou.

Tenho lido as notícias das rondas negociais do Ministério da Saúde com os sindicatos. Estranho não se falar da representação da Comissão Executiva do SNS nessas conversas. Era suposto que este órgão de gestão tivesse a independência necessária do poder político, com a prerrogativa de introduzir as alterações necessárias a todos os níveis, que garantissem a eficiência dos meios, com a melhor qualidade assistencial. As negociações continuam estagnadas na discussão das horas extras da urgência, o que quer dizer que ainda não se saiu do preâmbulo.

Já se anuncia uma greve de médicos, e os nossos representantes aparecem nas notícias com um ar cansado. Sem esperança e cheios de discussões vazias, em que não se abordam as questões de fundo, vão acabar por desistir. Muitos médicos sentirão a mesma desesperança, por mais esta oportunidade perdida. Como têm alternativa, também eles sairão do SNS.

O bom negociador, não se deixa levar pela esperteza saloia, que apenas adia o problema sem o resolver. É frio e calculista, não perdendo de vista o grande objetivo: a salvação do SNS. Reconhece que as reivindicações dos médicos não podem continuar a ser esquecidas, porque são justas e são adiadas há mais de 12 anos. Deve ter a noção de que as negociações não se podem distender no tempo, porque em cada mês que passa o SNS perde muitos dos seus melhores médicos. Sabe que é fundamental garantir médicos disponíveis e dedicados no hospital público e no privado, perseguindo a prazo o objetivo da separação das carreiras.

Já não é surpresa para ninguém que o SNS tem perdido imensas horas de trabalho médico dos seus elementos mais capazes. Faltam em todos os setores, embora continuemos a olhar demasiado para o Serviço de Urgência, quando ele apenas reflete a falência a montante (Cuidados Primários) e a jusante (Internamento). É preciso garantir a atividade dos serviços, desde a consulta, às técnicas de diagnóstico e terapêutica, à discussão clínica interpares, aos ensaios clínicos e dar incentivos ao ensino e à investigação.

Ter tudo isto, sem que o médico se esgote em escalas repetidas de urgência, é a melhor forma de o manter no SNS. Um médico motivado e feliz, trata melhor o seu doente e sendo o objetivo económico importante, deixa de ser determinante. A reformulação da carreira médica, tornando-a confiável e previsível, com atribuição dos graus baseados nas competências adquiridas, é essencial para a gestão harmónica dos serviços. Esperemos que o negociador com os médicos arrepie caminho. Se não, todos ficam a perder.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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