PGR explica que não há mandado para deter padre acusado de abuso sexual

Estava em parte incerta desde 2018 e tentou entregar-se na PGR, que diz que terá de ser notificado da acusação no Funchal, onde corre o caso. Advogado critica “burocracia” da Justiça.

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Em causa está o padre Anastácio Alves, acusado de abusos sexuais Nelson Garrido

Anastácio Alves, o padre do Funchal que desapareceu em 2018 depois de ter sido alvo de queixa por crimes de abuso sexual contra um menor e acabou acusado à revelia pelo Ministério Público, tentou entregar-se na Procuradoria-Geral da República (PGR), mas não o receberam. Em 2021, a Igreja dispensou-o das obrigações clericais, na sequência de um pedido do próprio.

Em comunicado, a PGR explicou entretanto que o padre já era arguido “por força” da lei e que não existia nenhum mandado de detenção em seu nome. Segundo a PGR, o que faltava era ser notificado da acusação, o que terá de suceder nos serviços do Ministério Público do Funchal, onde o processo corre.

A PGR confirmou que "os advogados do arguido José Anastácio Alves, acompanhado deste e de jornalistas, deslocaram-se, pela tarde do dia de ontem, à PGR, onde verbalizaram pretender que o seu constituinte “fosse constituído arguido e notificado da acusação”.

Ora, segundo a PGR, "o processo a que tal pretensão respeitava foi objecto de acusação e corre os seus termos no DIAP do Funchal e, com a dedução da acusação, o suspeito assumiu, por força da lei, a qualidade de arguido (artigo 57.º, n.º 1 do Código Processo Penal)". "A notificação da acusação é um acto processual que deve ser realizado no âmbito do concreto processo (artigo 283.º, n.º 5 e 6 do referido Código de Processo Penal), o que foi informado aos advogados presentes", lê-se no mesmo comunicado. O documento sublinha ainda que "no processo não foi determinada pelo magistrado titular a emissão de mandados de detenção nacionais ou internacionais, pelo que se revelava inviável a detenção do arguido, o que, aliás, nunca foi, pelos advogados presentes, veiculado como sendo o motivo da sua deslocação à PGR".

"Processos não são tramitados na PGR"

“A Procuradoria-Geral da República é o órgão máximo do Ministério Público, mas os processos individuais não são tramitados lá e não estão fisicamente na procuradoria-geral, nem são tramitados nesse sítio”, explicou o ex-presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público António Ventinhas, à RTP. O procurador explicou ainda o que acontece nos casos de pessoas visadas por mandados de detenção – o que não é o caso: “Se um determinado cidadão é acusado da prática de um crime e se existem contra o mesmo mandados de detenção, ele pode ser detido em qualquer sítio em que se se encontre.”

Neste caso, sublinhou Ventinhas, a questão prende-se com “a medida de coacção que lhe está aplicada”. Segundo a RTP, no âmbito do caso em que está acusado, o padre está apenas sujeito a termo de identidade e residência por não haver pressupostos para a aplicação da prisão preventiva, nomeadamente o perigo de fuga. De resto, sublinha António Ventinhas, “se uma pessoa está acusada e não foi notificada, basta fazer um simples requerimento ao processo, que será notificada no sítio onde está”.

A notícia foi avançada pelo Observador, ​que conta que o padre chegou à PGR, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, nesta quinta-feira, para ser constituído arguido e notificado da acusação do Ministério Público, que lhe imputa cinco crimes. Mas acabou por sair com a indicação que se devia dirigir ao Tribunal do Funchal, que é a entidade competente do seu processo.

De acordo com o Observador, depois de ter sido acusado, em 2022, foi “accionada a cooperação judiciária internacional em matéria penal, com vista a notificar o arguido da acusação pública” e, por isso, o seu advogado, Miguel Santos Pereira, entendeu que deviam deslocar-se à PGR “porque o pedido de cooperação internacional para notificação da acusação do arguido, e neste caso com a prévia constituição do arguido com a prestação de Termo de Identidade e Residência, foi solicitado pelo Ministério Público e é da competência do Ministério Público”.

Neste sentido, o advogado vai agora fazer um requerimento ao Ministério Público do Funchal para que possa ser constituído arguido e notificado da acusação em Lisboa.

Em declarações à Lusa, o advogado deixa críticas à Justiça: "Fica difícil colaborar com a Justiça, ainda mais numa semana em que é dado à estampa um relatório sobre abusos na Igreja. Todos nós batemos com a mão no peito o MP, a Igreja, todos e quando, afinal, queremos efectivar as coisas, parece que ninguém sabe o que anda a fazer. Isto é triste. Não é um problema da justiça, é um problema do país. Reflecte o que é o país em termos de burocracia, somos um país de "mangas de alpaca", afirmou.

Tem vivido em casa de amigos de amigos

Revela o Observador que Anastácio Alves tem vivido em Portugal continental em casa de amigos de amigos e que actualmente estava a viver em São Martinho do Porto numa casa arrendada em nome de uma familiar, perto de um posto da GNR. Para não ser reconhecido, usava barba.

Anastácio Alves foi acusado de ter abusado de uma criança de 13 anos em quatro situações distintas e numa quinta vez, em 2017, já o rapaz tinha 14 anos (sendo o crime acto sexual com adolescente), relata o Observador, segundo o qual os abusos aconteceram sempre na casa da família da vítima. A criança vivia com os avós, onde era habitual Anastácio Alves ir jantar, mas o caso só foi sinalizado pela Comissão de Protecção de Criança e Jovens em Risco já Anastácio Alves prestava serviço a uma comunidade portuguesa perto de Paris.

O padre terá sido investigado duas vezes: uma em 2005 e outra em 2007. Na primeira vez foi apenas mudado de paróquia e na segunda foi mudado de país por ordem do bispo: esteve na Suíça e depois em França.

Mas os casos acabaram sempre arquivados porque os depoimentos das vítimas não foram valorizados. Foi à terceira vez que a situação ganhou outros contornos, quando acabou acusado pelo Ministério Público à revelia (por estar em paradeiro incerto). Só então o bispo do Funchal da altura, D. António Carrilho, decidiu suspendê-lo de funções.

Texto actualizado às 16h46 desta sexta-feira com informações do comunicado da Procuradoria-Geral da República

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