Marcelo sobre pacote da habitação: “Só se sabe se o melão é bom depois de o abrir”

Presidente da República lembra que as medidas anunciadas ainda não estão vertidas em leis, havendo um mês de discussão pública pela frente. Mas deixa desde já alguns avisos.

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Marcelo tem dúvidas se há "máquina" no Estado e nas autarquias para agilizar o pacote da habitação LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

Marcelo Rebelo de Sousa recorreu a um ditado popular para dar a sua primeira opinião sobre o pacote da habitação apresentado nesta quinta-feira pelo primeiro-ministro: “O povo costuma dizer que só se sabe se o melão é bom depois de o abrir. É preciso abrir o melão.”

Foi a forma de o Presidente da República dizer, por outras palavras, aquilo que demorou muitos minutos a explicar: que “olhando para o pacote, que é muito grande, não é possível ter uma ideia clara do que lá está dentro” e, por isso, é preciso passar a fase de apresentação “do melão”, a que se segue “um mês de discussão pública”, depois a tradução de cada medida em diplomas legislativos, para só então pensar na sua aprovação, nas dúvidas de constitucionalidade e na promulgação pelo Presidente.

Para já, sobram as dúvidas, vai dizendo Marcelo. “A questão é saber como é que os objectivos são atingidos: se são atingidos rapidamente, se vão realmente melhorar a situação das famílias e se há máquina a nível de Estado e de municípios [para a concretização], se a banca é sensível a certas mudanças que tem de introduzir e se os impostos de que se fala em termos de redução vão realmente mudar a situação dos portugueses.”

Confrontado com as críticas dos partidos da oposição, Marcelo considerou “natural”, porque há caminhos muito diferentes: “Há quem defenda que [a solução] passa mais pelo Estado (…) e quem pense que passa mais pelo mercado, para agilizar a construção e criar um novo regime no arrendamento.” Mas, para já, o importante, sublinha, “é percebermos em pormenor o que as medidas querem dizer”.

Questionado sobre se antevê problemas de constitucionalidade, como dizem alguns partidos e constitucionalistas, Marcelo foi cauteloso. “Eu não me pronuncio sem saber o que é que as leis dizem efectivamente”, afirmou, sublinhando que o Governo lhe enviou “as ideias, mas não as leis”. “Vamos esperar pelo debate público e pelas leis e depois, uma a uma, terei opinião sobre essas medidas”, disse.

Presidente com baixas expectativas sobre PRR

Relativamente aos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), na sequência do ponto de situação apresentado nesta quarta-feira pelo Governo ao Presidente da República, Marcelo deixou a ideia de que tem uma divergência com o executivo sobre o ritmo da aplicação dos fundos.

Por um lado, o Governo argumenta – “e tem razão” – de que Portugal “está em sexto lugar entre os países europeus” que já foram “buscar fundos a Bruxelas” e que “uma parte desse dinheiro” já foi entregue às entidades públicas encarregadas de contratar os destinatários finais.

Segundo o Presidente, o Governo até admite que “o que foi gasto no terreno”, 1600 milhões de euros, “é uma quantia pequena” devido a “complicómetros” como a demora excessiva na resposta de avaliação de candidaturas. Só que, na avaliação do Governo, a sua função, “está a funcionar bem”, referiu Marcelo Rebelo de Sousa, contrapondo com a sua própria posição. “Isso é verdade mas está difícil de operacionalizar, que é chegar ao fim da linha, que é o que interessa”, disse.

Sem se referir directamente ao optimismo do primeiro-ministro, a que já chamou “optimismo irritante”, o Presidente assumiu ter uma atitude contrária sobre a matéria de execução dos fundos do PRR.

“Seja para quem, como eu, tem sempre expectativas mais baixas [seja para quem como] o primeiro-ministro tenha sempre expectativas mais altas, prefiro não ter razão e que no fim de tudo esteja 100% executado”, disse.

A divergência de perspectiva sobre o PRR terá sido assumida pelo Presidente, segundo o jornal Expresso, na parte da reunião à porta fechada com o primeiro-ministro depois de, perante a comunicação social, ter deixado expressa a solidariedade institucional e estratégica entre os dois órgãos de soberania em torno do PRR.

Costa abriu uma “janelinha” aos professores

Sobre a questão do diferendo que opõe professores e Governo, o Presidente considerou que o primeiro-ministro deu “um passo muito importante” ao “explicar” na entrevista desta quinta-feira à TVI porque é que não é possível repor integralmente o tempo de serviço congelado dos docentes.

“Ele abriu uma janelinha, dizendo que não é uma questão que possa ser resolvida globalmente. Custa mil e tal milhões de euros. Mas abriu uma janelinha, têm sido dados passos em muitos dossiers”, disse, referindo-se, por exemplo, à realização de concursos anuais de professores do quadro, em vez de a cada quatro anos.

Marcelo considerou que não é possível “uma solução perfeita, mas que cubra um número muito elevado de problemas dos professores, que dê um sinal de esperança”. “Todos esperam que, depois do Carnaval e até à Páscoa, se possa ver luz ao fundo do túnel”, afirmou.

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