Governar de costas voltadas para os profissionais é insustentável

No ensino superior e ciência existe, igualmente, a perceção generalizada de que já foram ultrapassados todos os limites.

Nas últimas semanas, as greves e protestos dos profissionais de ensino básico e secundário anunciam que na educação, como noutros setores, se chegou a um ponto de rutura. No ensino superior e ciência existe, igualmente, a perceção generalizada de que já foram ultrapassados todos os limites.

Não é possível continuar a aumentar o número de professores e investigadores com contratos a prazo e a tempo parcial, nem é viável manter as regras de progressão com níveis de exigência tão elevados que apenas uma ínfima parte consegue transitar de escalão salarial. A precariedade faz com que os salários auferidos se mantenham, a cada novo contrato, no nível mais baixo. Esta é uma situação que a Comissão Europeia já condenou Portugal a corrigir, ainda que tal não esteja a acontecer no ensino superior e ciência. A ausência de progressões faz com que muitos profissionais – 2/3 segundo um questionário do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) em 2022 – nunca tenham mudado de escalão mesmo que já trabalhem, em média, há 20 anos nesta profissão.

Estes são sinais claros e inaceitáveis de desvalorização, tanto simbólica como material, do trabalho de investigadores e professores de ensino superior. Sublinhe-se, ainda, que estes profissionais perderam cerca de 10% do seu poder de compra entre abril de 2021 e abril de 2022 tendo a situação continuado a agravar-se nos últimos meses.

Em outubro de 2022, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior propôs um protocolo negocial ao SNESup que inclui diplomas legais fundamentais para corrigir problemas e dignificar as condições de trabalho e emprego de investigadores e professores de ensino superior. O tiro de partida para esses processos negociais deveria ter sido dado em dezembro, mas até ao momento o MCTES não deu sinal de vida sobre este assunto. Não é possível esperar mais!

É que o tempo vai passando e agravam-se continuamente os problemas que estas negociações deveriam corrigir. Desde logo no ensino superior privado em que o trabalho de investigadores e professores está por regulamentar há já 15 anos, reinando a discricionariedade em termos de modalidades de contratação e remunerações.

Também se agrava a situação dos cientistas que, atualmente, são maioritariamente contratados a prazo com níveis salariais inferiores aos do primeiro nível da respetiva carreira, enquanto continua a ser adiada a prometida atualização do Estatuto da Carreira de Investigação Científica que permanece inalterado desde a sua publicação no final do século passado. Muitos investigadores, hoje com dez ou 20 anos de trabalho, têm salários mensais líquidos pouco acima de 1000 euros. Sobre estas matérias não recebemos ainda nenhuma proposta para negociação sindical, o que deveria ter acontecido em dezembro último.

O calendário proposto pelo MCTES prevê ainda, em 2024, a revisão dos estatutos das carreiras docentes. Tal é fundamental para criar condições de integração nas carreiras daqueles que ensinam em situação de precariedade há longos anos e para prever mecanismos justos e transparentes de progressão nas carreiras, a qual tem de abranger um número muito mais alargado de professores.

No que respeita à avaliação e revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) – um diploma que transformou estruturalmente o modelo de organização, gestão e governo das instituições – o MCTES atuou recentemente. Nomeou uma comissão, dita independente, para realizar uma avaliação que vem sendo adiada ao longo da última década por inação dos sucessivos governos. Contudo, esta comissão, ao não incluir os representantes de docentes e investigadores, está a excluir os contributos e o conhecimento que vem sendo produzido e divulgado, designadamente pelo SNESup, sobre esta matéria. Ora, é imperativo que o processo de avaliação e revisão do RJIES seja participado e aberto a uma pluralidade de organizações e cidadãos, para que efetivamente sejam diagnosticados e corrigidos efeitos negativos da aplicação desta lei.

Se o investimento em ciência e qualificação avançada é estratégico para o desenvolvimento do país, os investigadores e professores de ensino superior são um recurso fundamental para concretizar esse desiderato. A direção do SNESup tem propostas concretas sobre cada uma das matérias a negociar com o MCTES. Mas é preciso que o governo não continue de costas voltadas para quem, diariamente, produz ciência de alto nível e contribui para a qualificação avançada de estudantes jovens e adultos.

A autora escreve segundo o novo acordo acordo ortográfico

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