Sara, a xadrezista iraniana que foge à prisão, já tem um novo país

No Irão, Sara Khadem tem ordem de prisão assim que entre no país. Exilou-se em Espanha, numa cidade não revelada, por temer represálias de facções hostis da comunidade iraniana.

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Sara Khadem, xadrezista iraniana PAVEL MIKHEYEV

“Sinto falta da minha família, mas não me arrependo da minha decisão. Continuo a representar o Irão, a ser iraniana e os iranianos vêem-me como tal”. As palavras, à BBC, são de Sarasadat Khademalsharieh, jogadora de xadrez iraniana que foi obrigada a fugir do seu país. Ou Sara Khadem, como prefere ser chamada agora.

Sara, que não quer ser vista como activista, ficou na berlinda quando em Dezembro se prestou a entrar num torneio internacional, no Cazaquistão, sem o hijab a cobrir-lhe a cabeça.

Naquele momento, considerou-se que o fez em solidariedade com os protestos no Irão no seguimento do caso da morte de Mahsa Amini, que sucumbiu sob custódia policial após detenção por uso incorrecto do hijab.

Mas Sara tem uma explicação mais simples para a decisão – e não tão politizada. “Honestamente, eu já não usava o hijab, só o punha para as câmaras, porque representava o Irão. Mas dessa vez não me senti bem em não ser eu própria e decidi nunca mais o fazer”, explicou, há poucos dias, ao El País.

O Irão lançou ordem de prisão à xadrezista assim que ela entrasse no país – por isso, ela não entrou. Vive em Espanha, numa cidade que não foi revelada, porque a iraniana teme represálias de facções mais hostis da comunidade iraniana, mesmo estando tão longe do Irão.

Segundo a BBC, Sara conseguiu ficar em Espanha através de um visto gold e está na Península Ibérica com o marido e o filho, de dez meses. Apesar do receio, diz-se feliz e relativamente tranquila em Espanha, sobretudo por considerar ser um bom país para o filho, Sam.

“Para mim, a liberdade é a capacidade de sermos nós próprios. Não significa que cada um possa fazer o que quiser, mas ter esse direito sem prejudicar os outros é uma necessidade essencial da vida", reflectiu ao jornal espanhol.

Entrar no top 10 feminino

No plano desportivo, Sara Khadem, fã de Garry Kasparov, Judit Polgár e Magnus Carlsen, não é das jogadoras mais proeminentes do circuito. Jorge Guimarães, especialista do PÚBLICO em xadrez, adverte que a iraniana não tem resultados de primeira linha nos principais palcos.

Porém, no ranking exclusivamente feminino, a jogadora segue em 17.º lugar e o objectivo, garante, é entrar em breve no top 10. E já poderia lá estar se não tivesse tido uma pausa na carreira em 2020 – até porque antes disso, sobretudo enquanto adolescente, conseguiu alguns resultados interessantes em provas internacionais.

“Quero continuar a jogar com a bandeira iraniana. E entrar no top 10. Também quero tornar-me streamer e jogar em directo na internet. Já tenho este plano há alguns anos, mas não queria fazê-lo no Irão, com o hijab”, explicou ao El País.

Mas a falta de destaque desportivo nos principais palcos de xadrez não impede a jogadora de ser, actualmente, mais um rosto importante no desporto do país.

“Eles [Irão] acham que devemos ficar em casa e ser domésticas. Mas algumas mulheres estão a lutar para mudar isso e acredito que vão conseguir”, diz Sara Khadem. E bem pode dizê-lo.

Sadaf Khadem, lutadora de boxe, está exilada em França. Elnaz Rekabi, atleta de escalada, surgiu sem hijab numa prova importante – fê-lo no Mundial, em Outubro –, tal como já tinha acontecido com a também xadrezista Dorsa Derakhshani, em 2017, numa prova em Gibraltar. Ambas com manifestações semelhantes à de Sara Khadem, que não é a primeira a dizer "chega".

Mas o objectivo da xadrezista não é ser pioneira. Basta-lhe ser mais uma. Até porque já são muitas.

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