O IMI das barragens

A decisão do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais revela coragem e espírito de serviço público. As barragens são prédios e não fazem parte do domínio público hídrico, pelo que devem pagar IMI.

Em 24 de Janeiro deste ano os municípios de Miranda do Douro e de Mogadouro requereram ao sr. secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que ordenasse à Autoridade Tributária a prática dos atos necessários à liquidação e cobrança do IMI das barragens de Miranda do Douro, Picote e Bemposta.

A decisão do sr. secretário de Estado é a que se conhece, revela coragem, sentido de responsabilidade cívica, espírito de serviço público e está ancorada em argumentos jurídicos sólidos.

Ao contrário do que alguns querem fazer crer, a questão é muito simples.

As barragens são prédios?

Se o leitor responder "sim" às três questões que a seguir enunciamos, concluirá que as barragens são prédios e por isso têm de pagar IMI.

Primeira questão: As barragens são ou não construções assentes nas águas dos rios com caráter de permanência?

É tão óbvio, todos os leitores responderão "sim".

Segunda questão: As barragens estão no ativo da EDP, da Movhera?

Os leitores que seguem as notícias sabem que as barragens estão valorizadas no património das sociedades hidroelétricas. Por outras palavras, todos nós sabemos que um dos elementos que valorizam o património das hidroelétricas é terem no seu ativo barragens. Ainda recentemente a EDP vendeu à Movhera seis barragens no Douro, por 2200 milhões de euros. Se tivesse vendido dez, por certo o valor teria sido superior. Se só tivesse vendido duas, por certo o valor seria inferior.

Perante estes dados, qualquer leitor responderá "sim" as barragens fazem parte do património das hidroelétricas.

Neste caso, o "sim" dos leitores tem o apoio da Procuradoria Geral da República que diz os concessionários são titulares de um direito de propriedade resolúvel sobre os bens que adquiriram ou construíram – parecer publicado no Diário da República n.º 51/2007, Série II de 13-3-2007, p. 6827-6844.

Terceira questão: As barragens têm valor económico?

Neste caso, até o mais distraído dos leitores conclui "sim", as barragens têm valor económico.

Ora, se o leitor respondeu às três questões "sim" a conclusão óbvia é que as barragens são prédios. Se são prédios, têm de pagar IMI.

Tudo simples.

É simples, mas alguns, para complicar, dizem: pode até ser prédio, mas como são “bens do domínio público hídrico” estão isentos do pagamento do IMI.

Se os bens do domínio público hídrico são as águas territoriais com os seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos – alínea a) do n.º 1 do artigo 84 da Constituição –, o leitor conclui que as barragens são bens do domínio público hídrico?

Claro que não. As barragens são prédios implantados sobre o domínio público hídrico, não são domínio público hídrico.

Neste particular os contratos pelos quais o Estado concessionou a exploração das barragens dão-nos uma ajuda suplementar.

Em todos está previsto que as barragens e outros edifícios construídos pelo concessionário revertam para o Estado no final da concessão. Se só revertem para o Estado no final da concessão, é porque atualmente não são do Estado. E nunca foram, pela simples razão de que quando foi conferida a concessão nem sequer existiam. Foram construídas depois pelo concessionário.

Aqui chegados, nenhum leitor tem dúvidas: as barragens são prédios e não fazem parte do domínio público hídrico, pelo que devem pagar IMI.

Fica a pergunta óbvia: então, porque é que as barragens nunca pagaram IMI?

A resposta é simples. Por falta de coragem política dos decisores e por insensibilidade social das hidroelétricas. A EDP, a Movhera e as outras hidroelétricas podem até escolher o caminho do litígio judicial. Não têm razão. Mas têm poder, influência e dinheiro e acreditam que tudo isso junto lhes poderá continuar a dar um jackpot.

Nenhum português de bem percebe que quem ganha milhões a explorar a riqueza de um território não queira pagar o IMI que é um imposto local.

Esta decisão justa e corajosa do secretário de Estados dos Assuntos Fiscais vai ter um impacto profundo em 68 concelhos do interior do país que têm visto as suas riquezas exploradas sem que lhes seja pago o justo valor.

Esperamos que a EDP e a Movhera, por uma vez, mostrem sentido de responsabilidade social. Senão cá estaremos para fazer prevalecer o que é justo e levar de vencida os Golias que se portam como donos disto tudo.

O autor é advogado das Câmara de Miranda do Douro e Mogadouro e escreve segundo o novo acordo ortográfico

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