Já ouviste falar em Cuidado Centrado na Pessoa?

Claro que pessoas com doenças diferentes tinham acompanhamentos diferentes; mas será que duas pessoas com a mesma doença tinham acompanhamentos ajustados às suas particularidades?

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Claro que pessoas com doenças diferentes tinham acompanhamentos diferentes; mas será que duas pessoas com a mesma doença tinham acompanhamentos ajustados às suas particularidades? Dominik Lange/unsplash

A primeira memória que tenho das aulas de Anatomia: “Temos uma série de referências para estudar e discutir o corpo humano, por exemplo a posição anatómica de referência, mas, no fim do dia, cada pessoa é uma pessoa”.

Estava na minha primeira aula de Anatomia, em 2013, num auditório do Hospital de Santa Maria, quando aprendi isto. Sabia que este não devia ser o assunto mais interessante ou complexo que devia reter da aula, mas por algum motivo foi aquele que mais me interessou.

Uma ideia tão óbvia, tão evidente. Mas, talvez de tão óbvia a reconhecer, despertou em mim aquela sensação de curiosidade de descobrir de que modo se materializava em respostas concretas para a tal enorme variabilidade de necessidades do ser humano. Afincou também, imagino, o meu sentido de propósito de contribuir para a personalização na saúde. Era claro que pessoas com doenças diferentes tinham acompanhamentos diferentes; mas será que duas pessoas com a mesma doença tinham acompanhamentos também ajustados às suas particularidades?

Enquanto engenheira biomédica interessava-me explorar de que forma a tecnologia poderia contribuir no desenho de equilíbrios entre a personalização do cuidado e a viabilidade das estruturas de saúde. Ou seja, reconhecendo a insustentabilidade de abolir processos e protocolos gerais, que soluções poderiam manter um nível padronização de cuidados que fosse compatível com a personalização e individualização.

Como desconfiei naquela aula, apesar do conceito de individualidade ser perfeitamente evidente, a implementação de respostas acarretava um certo nível de complexidade. Pelo caminho, fui descobrindo um conceito que realmente respondia àquele desafio: o “person-centered care”.

Dada a sua importância, o Cuidado Centrado na Pessoa é uma das verticais da estratégia global da OMS, que o define como a adopção de “abordagens e práticas de cuidados de saúde que vêem a pessoa como um todo, com vários níveis de necessidades e objectivos, tendo estas necessidades origem nos seus próprios determinantes sociais de saúde”.

Dos vários pilares que permitirão alcançar essa visão, destacam-se os objectivos de dar mais poder e motivação à pessoa, de fortalecer a governança e a responsabilização. Reconhece-se também a reorientação do modelo de atendimento, com a tendência de transição de modelos de internamento para ambulatório, a aposta na promoção da saúde e prevenção de problemas de saúde, a implementação de tratamentos no domicílio e as intervenções de saúde digital.

Não há dúvidas, também, de que toda esta evolução só é possível com uma grande coordenação entre todos os intervenientes no ecossistema da saúde e a existência de ambiente propício para a transição.

Ao dia de hoje, já vários casos de sucesso materializam este desígnio. Certamente já viveu ou presenciou casos em que o conforto, a comunicação da equipa de saúde com a família e a personalização do cuidado foram prioridade. Seja quando um doente crónico pode utilizar uma app que o ajuda a gerir a sua doença, quando o paciente visita um serviço de saúde e o médico já tem acesso ao seu historial, quando pode complementar o tratamento a partir do conforto da sua casa, ou sempre a equipa de saúde mitiga a conotação negativa associada a um tratamento e o torna o mais agradável possível para o doente.

Revela-se também na personalização da jornada de saúde, sempre que se impõe uma visão holística e individual do paciente — e não apenas características pontuais como idade, peso, etc. Aquela manifesta-se, por exemplo, quando um paciente de fisioterapia é aconselhado a seguir um plano de exercícios que foi especificamente desenhado para si, ou quando um paciente de nutrição segue um plano de alimentação centrado nas suas características.

Estamos no caminho certo? Tudo indica que sim. Resta-nos continuar a medir e potenciar esse progresso, avaliando métricas de benefício clínico, impacto e satisfação de quem está no centro — o paciente, a pessoa.

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