O ano que começou com um abanão

A componente psicossocial é fundamental nestes contextos, pode simplesmente interromper o adoecimento da comunidade a médio e longo prazo.

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Tendas montadas em Alepo, depois dos sismos FIRAS MAKDESI/Reuters

2023 foi um ano desejado por muitos e já abanou (literalmente) os ânimos.

Em 2011 também foi assim, fui chamada para desenhar e implementar mais um programa de saúde psicológica em contexto de terremoto, na pérola do oriente, na cidade de Van, na Turquia.

Nessa missão reparei na quantidade de recursos existentes no país (em ajuda humanitária habituamo-nos facilmente a trabalhar com poucos ou nenhuns recursos); reparei que mesmo que um país se prepare para este tipo de incidentes, nunca estamos preparados para lidar emocionalmente com perdas (de casas, familiares ou animais de estimação) e, mais uma vez, testemunhei a capacidade que temos em reagir para sobreviver e posteriormente, o difícil que é viver com uma experiência de que num piscar de olhos podemos perder a sensação de que a vida vale a pena ser vivida.

Graficamente, as imagens que nos chegam são semelhantes às que presenciei em Van naquele ano. Quando cheguei também estávamos na fase aguda da intervenção e o desespero das pessoas a tentarem resgatar outras dos escombros não tinha limites. Os responsáveis pelos diferentes organismos, como a Protecção Civil, ministérios também tinham perdido as suas casas, famílias ou bens e, por isso, a nossa intervenção começava por fortalecer emocionalmente estas equipas, para poderem voltar a produzir no seu “novo normal”.

Criamos grupos, fizemos primeiros socorros psicológicos, transmitimos ferramentas para lidar com as emoções e acima de tudo, demos uma perspectiva do que poderia passar-se com eles (psicológica e emocionalmente falando) nos meses seguintes. Afinal, a previsibilidade a curto e médio prazo traz um enorme alívio, sensação de controlo e esperança, ingredientes essenciais quando nos sentimos em crise.

A componente psicossocial é fundamental nestes contextos, pode simplesmente interromper o adoecimento da comunidade a médio e longo prazo. Sabemos que há uma série de reacções de stress pós-traumático normais e muito comuns nos períodos agudos e meses seguintes, que com simples técnicas de auto-ajuda e reestruturação de rotinas tendem a desaparecer.

Porém quando nada é feito, um sintoma que é hoje normal, e que tendemos a ignorar, vai agravar e tornar-se crónico. Como por exemplo, pessoas com insónias (uma reacção de stress pós-traumático comum nestes momentos) se nada fizerem em relação a isso, podem acabar por desenvolver uma depressão, uma das doenças mais incapacitantes da atualidade.

Há uns dias entramos na fase de assimilação, decretada por três meses pelo Governo turco, como fase de emergência. E nesta fase é menos difícil perceber quem está onde e que necessidades estão mais emergentes. Em Van, tal como agora, uma das grandes preocupações eram as condições meteorológicas (neve, muita neve) e por isso era prioritário abrigar as pessoas e passar-lhe essa informação. Mas era também urgente encontrar e mapear os corpos e os sobreviventes.

E por isso, fez parte do programa psicossocial de Van a criação de rituais de despedida dos mortos, dos desaparecidos e ainda rituais de celebração para os sobreviventes.

Como podemos apoiar quem vai ajudar nestes contextos?

Reconhecendo que podem haver muitos sinais de alerta quando regressam destes contextos, podem surgir reacções de stress, como insónias, ansiedade, agitação ou isolamento, podemos encorajar a que mantenham uma rotina de refeições, exercício e descanso (sim, falo mesmo em dormir!!) , podemos encorajar que partilhem o que viveram, mas sem nunca pressionar.

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