Directora de museu russo não alterou exposições com “ideologia destrutiva” e foi substituída

Zelfira Tregulova, directora do museu estatal Tretyakov desde 2015, foi substituída por Yelena Pronicheva, filha de uma alta figura das autoridades russas.

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Exposição na Galeria Tretyakov em 2021. Na fotografia, pintura de Yuri Pimenov Mikhail Svetlov/getty images

O Ministério da Cultura russo afastou, esta quinta-feira, Zelfira Tregulova da direcção da Galeria Tretyakov, um dos espaços artísticos mais proeminentes a nível mundial. Semanas antes, numa carta citada pelo Moscow Times, o governo tinha exigido que Tregulova alterasse as exposições deste museu estatal por não estarem de acordo com os “valores morais e espirituais” russos.

Nos últimos meses, a agora ex-directora tem estado sob forte contestação por manter a selecção expositiva longe dos ideais nacionalistas que têm vindo a ser disseminados pelas elites russas. A gota de água parece ter sido uma queixa escrita, alegadamente recebida pelo Ministério da Cultura, na qual um visitante do museu, Sergei Shadrin, denotava que as obras expostas não respeitavam as políticas estatais que visam a “protecção e consolidação dos valores, morais e espirituais, tradicionais russos”, veiculando uma “ideologia destrutiva”. A queixa de Sergei Shadrin descrevia o profundo pessimismo e sensação de vazio que tinha sentido ao olhar para as obras exibidas no museu, destacando uma Pietà, esculpida por Alexander Burganov em 1978, como “interpretação diabólica” por representar uma Virgem Maria sem cabeça. Segundo o Moscow Times, vários funcionários da galeria, que não quiseram ser identificados, duvidam da existência da queixa. Um deles rotulou este procedimento como “a típica forma soviética de lidar com arte censurável”.

Tregulova tinha sido avisada, mas a exposição não mudou. Esta quinta-feira foi despedida, “soube através dos media”. O Ministério da Cultura russo afirmou que o contrato tinha expirado, e por isso nomeou uma nova directora.

Na carta endereçada à então directora, o Ministério da Cultura sublinhava a necessidade de resposta a confirmar o cumprimento da alteração das exposições até ao dia 6 de Janeiro.

Em 2015, Zelfira Tregulova foi nomeada directora da Galeria Tretyakov. Antes disso, dirigiu, durante dois anos, o Rosizo, Museu do Estado e Centro de Exposições. É licenciada em História da Arte, trabalhou em museus a vida toda e foi curadora de exposições em quase todos os cantos do globo.

A nova directora, nomeada pelo Ministério da Cultura russo, é Yelena Pronicheva, filha de uma alta figura das autoridades russas. Estudou Ciência Política, trabalhou no governo e no Gazprombank, intrinsecamente ligado à petrolífera estatal homónima. Tem 39 anos e nasceu em Zaporijia, cidade que tem estado sob o olhar atento de todo o mundo, alvo de frequentes ataques russos. Apesar da pouca experiência artística, foi, entre 2013 e 2015, directora executiva do Museu Judeu e Centro de Tolerância, em Moscovo. A partir de 2020, dirigiu o Museu Politécnico de Moscovo.

Este não é o primeiro momento de tensão entre a Galeria Tretyakov e o Ministério da Cultura. Em Novembro de 2022, a Bienal de Arte Contemporânea de Moscovo foi cancelada e de cada lado surgiu uma explicação. O motivo oficial, divulgado pelo Governo, era burocrático: faltavam documentos que não estariam prontos a tempo. Mas, segundo o jornal russo Komsomolskaya Pravda, a mostra de arte não aconteceu porque os responsáveis pelo museu não aceitaram ser palco do que consideravam propaganda russa.

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