No centenário de Gorz, a ecologia política como futuro

Para Gorz, apenas associando as ideias de liberdade, autonomia e crítica ao capitalismo conseguimos desenvolver uma ecologia política protetora do meio natural e emancipadora do ser humano.

Há 100 anos, a 9 de fevereiro de 1923, nascia na Áustria Gerhart Hirsch, homem de vários nomes que ficaria conhecido por aquele com que assinou os seus principais trabalhos: André Gorz. À semelhança dos seus heterónimos, Gorz trabalhou e destacou-se em diversas áreas, da filosofia à economia, passando pelo jornalismo e pela ecologia. Pensador radical, Gorz nunca hesitou em confrontar as suas próprias certezas, revendo e reformulando as suas posições, nomeadamente as relativas à relação entre o trabalho assalariado e o capitalismo. Falecido em 2007, a obra de Gorz tem vindo, justamente, a ser recuperada, em particular os seus textos sobre ecologia política, corrente de pensamento filosófico e político da qual foi um dos principais pensadores na segunda metade do século XX.

Discípulo de Jean-Paul Sarte, as primeiras obras de André Gorz são claramente marcadas pela visão existencialista do marxismo. Logo nos anos 60, já estabelecido em França onde viveria o resto da sua vida, o pensador começa a trabalhar as questões da alienação capitalista e de como se poderia assegurar a emancipação e a autonomia. Estes seus trabalhos iniciais incidiam sobretudo sobre a ideia de autogestão, tendo influenciado e alimentado debates em França e em Itália, onde o operaismo ganhava força. Entretanto, e em paralelo com os seus textos mais teóricos, Gorz mantém uma presença regular nos meios de comunicação social, destacando-se a revista Temps Modernes, de onde acabaria por sair em conflito, e a Nouvel Observateur, da qual foi um dos fundadores em 1964.

A visão de Gorz em relação ao trabalho produtivo sofre uma transformação completa, em boa parte fruto do seu encontro com Ivan Illich, bem como do interesse pela ecologia, com o pensador austro-francês a fazer uma análise conjunta da crítica ao capitalismo e da crise ecológica.

Numa magnífica biografia publicada em 2016, Willy Gianinazzi identifica três visões de Gorz sobre o trabalho: a primeira, nos anos 1960, dedicada à autogestão; a segunda, já nos anos 1980, dedicada à esfera autónoma fora da esfera laboral; e uma terceira, já nos anos 1990, onde o foco está na intelectualização e digitalização do trabalho, o que o afasta ainda mais da visão marxista clássica da classe operária. Este afastamento havia começado na sua obra Adieux au prolétariat (1980) e continua em Métamorphoses du travail, quête du sens (1988) e, sobretudo, em Misères du présent, richesse du possible (1997).

As ideias de liberdade e autonomia são absolutamente centrais no pensamento de Gorz. É desses dois conceitos que nasce a sua defesa da esfera autónoma de atividades, ou seja, aquelas atividades que não estão nem sob a alçada do Estado nem sob o mercado e onde, assim Gorz acreditava, os indivíduos podem livremente expressar a sua autonomia. Não surpreende, portanto, a sua defesa de uma redução radical do tempo dedicado ao emprego, devendo, ainda assim, esse tempo agora liberto servir para reforçar a própria autonomia do indivíduo bem como a vida da comunidade na qual se insere. Entra aqui a ideia de convivialidade avançada por Illich e à qual Gorz aderiu.

Na área da ecologia, André Gorz foi um dos fundadores do pensamento ecossocialista e da ecologia política e um dos pioneiros na utilização do termo decrescimento, desenvolvido depois na sua crítica à ideia de produtivismo. Gorz via na ecologia política uma forma de responder à crise ecológica e, em paralelo, de saída do capitalismo. Mas a ideia de liberdade, sempre no centro do seu pensamento, fazia com que Gorz nos alertasse para dois perigos: o da tecnocracia e o do ecoautoritarismo. Contra os riscos da tecnocracia, o filósofo advogava a politização da ecologia e, em relação aos riscos de uma deriva autoritária da ecologia, afirmava que a ecologia política não era a simples resposta aos problemas ambientais, uma vez que esta resposta tanto poderia culminar “num anticapitalismo verde como num pétainismo verde”.

Para Gorz, apenas associando as ideias de liberdade, autonomia e crítica ao capitalismo conseguimos desenvolver uma ecologia política protetora do meio natural e emancipadora do ser humano. E esta é a grande mensagem que nos deixa para o futuro e que continua a ser de atualidade.

Em 2007, fazendo uso daquilo a que o seu biógrafo Gianinazzi chama a “última das liberdades”, Gorz suicida-se juntamente com a sua mulher Dorine, deixando como legado uma bela declaração de amor, recentemente republicada em Portugal: Carta a D. – História de um amor. No centenário do seu nascimento, celebremos a sua vida e obra e deixemo-nos inspirar pelas pistas sobre o futuro que nos deixou.

Foto
"Dorine et Gérard Horst, alias André Gorz" Fond André Gorz de l'IMEC

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar