O coxo do sapo e o eucalipto

Um dia, um director-geral das florestas recém-reformado disse publicamente algo como: andei tantos anos errado, sem saber o real impacto da eucaliptização. A comunicação social não pegou no assunto.

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ADRIANO MIRANDA

“Andei todos estes anos a ensinar mal aos meus alunos”. Esta expressão, ou melhor, confissão pública bem sentida, ouvi-a da boca de uma professora do ensino básico já com meio século de vida, e foi feita na discussão que se seguiu a propósito de uma palestra sobre a conservação de répteis e anfíbios.

O orador, antigo aluno meu, alertara a plateia, maioritariamente constituída por professores, para os problemas da conservação desses animais, dizendo que o principal problema estava dentro da cabeça das pessoas, e que derivava de preconceitos e ideias erradas. Relatou, entre outras, uma ideia comum em comunidades rurais: as grávidas não podiam tocar em sapos pois corriam o risco de dar à luz crianças defeituosas, problema conhecido em algumas regiões por “coxo do sapo”.

A ligação cultural é tão forte que, no dicionário da língua portuguesa, um dos significados da palavra “coxo” é “animal peçonhento”. Estas crenças eram responsáveis, e em certa medida são-no ainda hoje, por atitudes erradas de muitos cidadãos que, mal colocam a vista em cima de um ofídio ou de um grande sapo, não hesitam em eliminá-lo.

Sabia que...

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A frase “Andei todos estes anos a ensinar mal aos meus alunos” ouvi-a muitas outras vezes, com várias formulações, em contexto de formação de professores, actividade à qual estive ligado durante muitos anos. Resulta da não verificação da informação recebida da avó ou de outro familiar, como no caso da professora acima citada, resulta da dispensa da consulta de documentos técnicos sobre as matérias ensinadas, resulta de não se aprofundar os conhecimentos sobre a razão das coisas...

Noutro contexto, e, desta vez, sobre o impacto do eucalipto, ouvi a mesma confissão, em 1993, num debate organizado pela associação de estudantes da Universidade do Minho. Aí, o director-geral das florestas recém-reformado disse algo como: andei tantos anos errado, sem saber o real impacto da eucaliptização. Foi pena que enquanto esteve no activo e teve responsabilidade nas políticas nacionais de expansão excessiva desta árvore, com consequências ambientais negativas, o senhor engenheiro não tivesse tempo de estudar e propor soluções mais adequadas aos nossos ecossistemas.

A comunicação social não pegou no assunto. Pelo contrário. Nesse mesmo debate estava presente o ministro do ambiente da época, para falar sobre a reciclagem. Em ambiente descontraído, não resistiu a contar uma piada.

Para contextualizar, devo dizer que tinha sucedido um acidente mortal em Évora com máquinas de hemodiálise. Ao receberem água canalizada de má qualidade, por falha da câmara municipal, as máquinas tinham passado alumínio em excesso para o sangue dos hemodialisados, causando 25 óbitos.

Ora, o ministro teve a má ideia de contar uma piada sobre o assunto, e que tinha ouvido aos seus alunos: diziam que se deveriam reciclar os cadáveres para aproveitar o alumínio. A piada de mau gosto não teve impacto na sala e foi recebida com algumas gargalhadas e muitos sorrisos amarelos. Mas a história não acaba aqui.

O debate foi difundido na rádio universitária e um jornalista da principal estação de rádio nacional de notícias ouviu a anedota. Achou que o assunto era de interesse geral e passou, várias vezes, um excerto com a intervenção infeliz do ministro. Este não resistiu uma semana, e demitiu-se na sequência dos protestos indignados dos comentadores e dos fazedores de opinião.

Quanto aos temas e assuntos realmente importantes do debate, nem uma palavra.

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