Eugénio de Andrade: o meu poeta

Em Eugénio aprendi a amar com olhos a rudeza singela do mundo, aprendi a beber das fontes não só a água, mas o som e o distanciamento que apenas é o seu modo de regressar.

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Eugénio de Andrade Jose Rocha/arquivo

Escrevo isto de madrugada. Será talvez um pouco tarde para procurar algumas palavras dóceis para Eugénio de Andrade. Não interessa. Aos poetas pertence a vigília. Só na noite temos a consciência lúcida o suficiente para verter o lirismo metálico condizente com a paixão que temos a alguém, acima de tudo a um escritor. É essa minha paixão por Eugénio que pretendo escrever. E quero ser eu a escrevê-lo, escrupulosamente, com todas as honrarias que o mesmo merece, exclusivamente pelo aperto no mais indistinto que há em mim em pensar que mais alguém o pode fazer. Os nossos poetas são aqueles pelos quais sentimos um intenso ciúme apenas por imaginar que mais alguém os sente, os escreve ou sequer os pensa. É deste meu amor que vos falarei.

Eugénio de Andrade faria 100 anos. Serão em Junho 18 desde a sua morte. A sua poesia é eterna. Relembro a minha primeira leitura de uma obra do autor, seria então um feliz e ao mesmo tempo taciturno (o paradoxo sempre me acompanhou desde a infância) rapaz de 14 ou 15 anos. Lembro-me perfeitamente de pegar no volumezinho publicado pela Assírio e Alvim que incluía Os primeiros poemas, As mãos e os frutos e Os amantes sem dinheiro.

Após uma pequena introdução embebida de toda uma intelectualidade académica que me era particularmente obscura e hermética e que me deixou receoso de não perceber um único verso, o que para mim na altura era altamente frustrante e de certa forma ainda o é, finalmente leio o primeiro poema de Eugénio de Andrade: “Tinha um cravo no meu balcão/ Veio um rapaz e pediu-mo/ - mãe, dou-lho ou não?

Foi como abandonar tudo. Acrescentar-me a uma vastidão inefável criada pelo poeta na imensidão das coisas belas. Não fui acometido por lágrimas, nem por êxtases estéticos nem tampouco por qualquer tipo de transfiguração ontológica e divina. Foi apenas tranquilidade, contemplação, um amor conventual acalmado pela natureza tão amada pelo nosso, ou melhor, pelo meu poeta. Em Eugénio aprendi a amar com olhos (amor esse aperfeiçoado ao limite por Caeiro) a rudeza singela do mundo, aprendi a beber das fontes não só a água, mas o som e o distanciamento que apenas é o seu modo de regressar.

Hoje Eugénio está morto. Mas tal como a água, esse seu distanciamento físico é só uma forma de regressar como um verso de carne translúcida. Talvez possamos pensar que o corpo de Eugénio está hoje devorado pelos vermes vis que corrompem o seio do mundo. Eu creio que não. Sonho que tenha ido com os pássaros, para debaixo de um amieiro com vista para uma seara. E que de lá nos vela sorridente enquanto nos embala com o seu verso doce de cristal.

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