“Sector económico” mantém lei dos solos na gaveta há sete anos, diz dirigente da APA

Lei portuguesa sobre os solos poderá acabar por esperar por nova legislação europeia, que tem como principal objectivo recuperar os solos degradados até 2050.

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Há três milhões de lugares com solos contaminados identificados em toda a União Europeia Tiago Lopes

Há sete anos na gaveta, não se sabe quando é que a lei dos solos – conhecida por ProSolos – irá ser publicada pelo Governo. A lei, que tem a recomendação da Assembleia da República, obrigaria a uma maior responsabilização em relação aos solos contaminados, principalmente aos vendedores de propriedades em que, no passado, tenha havido actividades com risco de poluição do solo. Mas o “sector económico” não está convencido da sua importância, segundo adianta um responsável da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

“Não conseguimos, do ponto de vista dos diferentes centros de poder ao nível do Estado e do Governo, convencer o sector económico que era do interesse da economia portuguesa ter uma lei de solos”, disse Nuno Lacasta, presidente da APA, num painel de debate da conferência “Solos saudáveis e gestão sustentável do solo”, que decorreu esta sexta-feira em Lisboa, na sede da Ordem dos Engenheiros. Segundo o responsável, o diploma já foi várias vezes a Conselho de Ministros sem sucesso, mas Lacasta concede que “haver interesses subjacentes a um debate sobre a lei dos solos é absolutamente natural”.

No entanto, uma possível consequência deste atraso é a legislação só surgir com pressão externa, vinda da União Europeia. “A questão fundamental é se Portugal ainda assim avança com uma lei de solos que tem no parlamento ou se fazemos um compasso de espera político relativamente à publicação da proposta europeia”, clarifica Nuno Lacasta. Este compasso de espera pode demorar mais do que um ano e meio.

Um dos temas da conferência, organizada pela Associação das Empresas Portuguesas para o Sector do Ambiente (AEPSA), o Conselho Nacional do Colégio de Engenharia Geológica e de Minas da Ordem dos Engenheiros e a Associação Técnica para o Estudo de Contaminação do Solo e Água Subterrânea, foi justamente a nova legislação da União Europeia sobre solos.

Enquadrada no Pacto Ecológico Europeu, a "legislação para um solo saudável" está a ser desenvolvida pela Comissão Europeia, que deverá apresentar uma proposta até ao fim do primeiro semestre de 2023, informou ao PÚBLICO Humberto Rosa, director para a biodiversidade na Direcção Geral do Ambiente da Comissão Europeia, que tinha dado anteriormente uma palestra sobre aquele tema.

Sabia que...

Neste momento, há cerca de três milhões de locais contaminados identificados em toda a União Europeia.

“Uma boa parte dos cidadãos não presta atenção ao solo”, referiu Humberto Rosa logo no início da palestra, acrescentando que este era um “ecossistema esquecido”. Além da importância óbvia para a agricultura, os solos são ecossistemas vivos onde se sustenta o mundo vegetal e animal, e são fundamentais para a retenção de carbono e água. No entanto, entre 60 e 70% dos solos europeus não estão em boas condições, o que leva a perdas anuais de 1,25 mil milhões de euros.

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Humberto Rosa, director para a biodiversidade na Direcção Geral do Ambiente da Comissão Europeia Nelson Garrido

Aquele desconhecimento teve consequências no atraso da legislação sobre solos. Mas a consciência cada vez maior por parte das populações da degradação ambiental que está a acontecer a nível mundial tem empurrado o tema do ambiente para as prioridades governamentais, defendeu o responsável.

Neste momento, há cerca de três milhões de locais contaminados identificados em toda a União Europeia. “O grande objectivo [da nova legislação sobre solos] é chegar a 2050 com os ecossistemas hoje degradados a atingirem uma boa condição”, adiantou o responsável.

O documento que vai ser proposto terá de ser aprovado pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho Europeu. Entre a proposta e a publicação da lei pode passar-se um ano ou mais. “Espero que a proposta europeia seja um bom impulso para revisitar o tema e legislar quando conforme faça falta a Portugal”, disse Humberto Rosa ao PÚBLICO.

O arrastar da situação

Por cá, o caso dos solos contaminados no Parque das Nações, num terreno onde estava a ser construído um parque de estacionamento subterrâneo para o Hospital CUF Descobertas, denunciado no início de 2017, trouxe o problema a público. O tema do “solo contaminado passou a estar à vista de todos, ele estava escondido”, referiu Rui Berkemeier, ambientalista da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, durante o painel de debate, que contou com vários participantes.

Anualmente, a Zero tem aproveitado o Dia Mundial do Solo, a 5 de Dezembro, para denunciar o atraso da publicação da lei ProSolos. “A lei obrigaria que quando um proprietário teve uma actividade de risco de contaminação de solo e quer vender o terreno, teria de apresentar um relatório com a qualidade desse solo. Quem fosse comprar, sabia o que ia comprar”, resumiu Rui Berkemeier.

“Nós estávamos convencidos em 2016 que a lei ia avançar”, disse ainda o ambientalista, acrescentando que nessa altura havia por parte dos vários sectores uma aceitação da lei. “A surpresa foi o arrastar da situação”, assumiu. “Mas penso que o Nuno Lacasta já explicou tudo, há interesses económicos que não têm permitido, até agora, que a lei avance.”

Mas se a lei portuguesa acabar mesmo por esperar pela lei europeia para avançar, o Governo não terá de começar do zero, assegura o presidente da APA.

“O documento português está em grande medida alinhado” com a Comissão Europeia, explicou ao PÚBLICO Nuno Lacasta. “A questão de uma lista de locais contaminados na Europa, Portugal já tem essa lista. O atlas de solos que está praticamente concluído e decorreria dessa mesma legislação [portuguesa] está completamente alinhado com uma futura directiva europeia de solos. A questão de análise [europeia] de risco como método de avaliação se o solo está contaminado ou não, é [também] a metodologia portuguesa.”

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