Em 2023, minha meta é fazer menos e pior. E a tua?

Mais do que eficiência e perfeição, aproveitemos os caminhos, ainda que tortuosos, e conquistemos memórias

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"Minha mãe tirava colheradas da panela e cabia à minha irmã e eu enrolar as bolinhas e, depois, passá-las pelo chocolate granulado" outsideclick/Pixabay

Ler mais livros. Aprender uma língua. Correr mais rápido. Cozinhar mais, e mais saudável. Fazer mais projetos, mais amigos, mais viagens. Aperfeiçoar tudo e terminar o ano como uma versão 2.4 de nós mesmos. Na medida da exigência capitalista, perfeitamente adequados para ostentar nas redes sociais.

Na metade do primeiro mês, já damos como fato que muitas promessas não chegarão nem ao Carnaval. Por isso, neste ano, meu desejo foi um pouco diferente. Minha meta, em 2023, é fazer menos e pior. Antes que digam que enlouqueci, explico que tive essa ideia ao ver um anúncio no Instagram.

Nunca saberei por que tio Zuckerberg decidiu que eu precisava de um gadget para enrolar brigadeiro — desde que fiquei adulta, se enrolei docinhos uma vez na vida foi muito. É muito mais comum comer de colher, direto da panela (de preferência, ainda quente!). Fato é que aquele novo aparelho, uma espécie de forma de plástico com sulcos, surgiu misteriosamente no meu feed e me hipnotizou.

A massa de leite condensado e chocolate era inserida na forma e saía magicamente lisinha e uniforme instantes depois. “Não é feitiçaria, é tecnologia”, diria uma antiga propaganda brasileira. Logo depois veio-me uma tristeza.

Todo ano, enquanto éramos crianças, minha mãe ocupava várias noites das semanas anteriores aos nossos aniversários para preparar os docinhos para a festa. Brigadeiros e beijinhos. Primeiro ficava ao fogão, mexendo sem parar, à espera do ponto: o doce deveria demorar para cobrir o rastro feito com a colher no fundo da panela. Depois vinha um momento angustiante para uma criança com menos de 10 anos de idade: esperar esfriar. Nesse momento, minha mãe sabiamente nos pedia para “abrir as forminhas”, que vinham todas grudadas umas nas outras.

Às vezes a ansiedade era tanta que me lembro de sentir o calor nas mãos besuntadas de manteiga. Minha mãe tirava colheradas da panela e cabia à minha irmã e eu enrolar as bolinhas e, depois, passá-las pelo chocolate granulado. No fim, ainda dávamos uma ajeitadinha antes de pousar os docinhos nas formas de papel — isso quando eles não eram interceptados por nossas bocas no meio do caminho.

No fim do processo, aquela caixa de camisa ficava cheia de brigadeiros e ia para o congelador (sim, ficam ótimos como se acabados de fazer). Até o dia do aniversário, às escondidas, assaltávamos a geladeira, com o capricho de escolher o que tinha saído maior do que a média. Por mais que a gente se esforçasse, sempre tinha alguma variação. E, às vezes, os mais molinhos ficavam meio achatados. E quem se importava?

Aparentemente, há quem se importe. O suficiente para inventar uma geringonça que elimina todas as imperfeições brigadeirísticas — e, junto com elas, a alegria das crianças que saíam com as mãos engorduradas e as barriguinhas cheias desse momento familiar de que me lembro mais de 30 anos depois.

Consolou-me o fato de que, ao menos, a inovação surgiu só recentemente, muito depois das festas com docinhos. Não tive, porém, a mesma sorte com a máquina de fazer nhoque. Essa, sim, um trauma de infância.

Era um domingo, certamente, quando vi pousar na panela de água quente uma espécie de foguete de plástico. Estava cheio de massa de batata, que era empurrada por um êmbolo até sair pelos buraquinhos redondos da base e ser cortada com uma eficiente espátula pela minha mãe. Foi um fascínio, e uma decepção: a partir daquele dia, nunca mais as crianças da família se reuniriam em torno da mesa enfarinhada fazendo cobrinhas que depois seriam cortadas por minha avó. Aquela tradição tão italiana e tão lúdica havia sido superada pela tecnologia.

Minha avó e minha mãe ficaram felizes: a maquineta fazia bem menos sujeira, e não é que ficava gostoso o nhoque? Mas nunca perdoei aquela invenção que deve ter chegado por meio do bazar de quinquilharias do outro lado da rua.

Não exerci meus impulsos ludistas naquela época e, hoje, sei que enfarinhar a mesa não traria o mesmo sabor dos almoços de domingo em que minha avó ainda se lembrava das receitas da nonna.

Mas não pude deixar de pensar que aqueles brigadeiros irregulares, aqueles nhoques tortos cheios de farinha eram a vida. Ali aprendemos a sujar e a limpar, a colaborar com outras gerações, a ter paciência. A amar o processo e o resultado, mesmo que ele fosse diferente das receitas que víamos nas revistas e na televisão — essas coisas que usávamos antes de haver telefone celular.

Mas é exatamente essa sensação que desejo a todos nós neste 2023. Que façamos menos tarefas. Que nossos resultados estejam longe do perfeito. Mas que tenhamos oportunidade de criar memórias que serão carinhosamente lembradas nas próximas décadas.


A autora escreve em português do Brasil.

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