Processo contra 24 voluntários em Lesbos termina por erros processuais

Acabou na Grécia o julgamento que o Parlamento Europeu chamou “o maior caso de criminalização de solidariedade na Europa”.

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O mergulhador Seán Binder reagiu à decisão com "sentimentos contraditórios" EPA/STR

Um misto de alívio mas sensação de que não houve justiça a ser feita: Seán Binder, um de 24 acusados por espionagem, tráfico de seres humanos, fraude e utilização indevida de frequências de rádio, reagiu em declarações à televisão RTE, da Irlanda, depois de um tribunal em Lesbos ter apontado erros processuais no caso o que levou a que tenha, na prática, terminado.

O processo, em que era também acusada a refugiada síria Sarah Mardini, cuja travessia do Mar Egeu inspirou o filme The Swimmers, da Netflix, e que depois fez voluntariado em Lesbos (os acusados eram voluntários da organização Emergncy Reponse Center International, que funcionou em Lesbos entre 2016 e 2018), termina assim de forma agridoce.

“Por um lado claro que estou muito contente por não poder gabar-me de ser um potencial espião, o que são óptimas notícias, mas ao mesmo tempo, isto não foi necessariamente justiça”, declarou Seán Binder. “Justiça teria sido ter havido um julgamento há quatro anos e ter sido considerado inocente”, disse.

“O que aconteceu agora foi não irmos a tribunal porque a acusação cometeu tantos erros que vai ser impossível continuar”, explicou o mergulhador irlandês. Entre os erros estavam não terem sido feitas traduções de documentos essenciais para o processo para os arguidos que não falavam grego, e a acusação por espionagem foi considerada demasiado vaga. As restantes acusações vão entretanto prescrever.

Tanto Seán Binder como Sarah Mardini passaram mais de três meses numa prisão de alta segurança por causa dos supostos crimes do processo, visando que um relatório do Parlamento Europeu diz ser “o maior caso de criminalização de solidariedade na Europa”.

"Salvar vidas nunca deveria ser crime"

O veredicto foi tornado público horas depois de um apelo das Nações Unidas para que as acusações fossem retiradas. “Processos como este são profundamente preocupantes porque criminalizam trabalho de salvar vidas e criam um precedente importante”, disse Elizabeth Throssell, porta-voz do Alto-Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, em Genebra, citada pela Reuters. “Salvar vidas e dar ajuda humanitária nunca devia ser crime ou alvo de acusação”, disse. “Essas acções são, simplesmente, um imperativo humanitário e de direitos humanos.”

A Amnistia Internacional reagiu com um comunicado lamentando "quatro anos de investigação absurda, em que as vidas de Sarah e Sean ficaram em suspenso", dizendo ainda que a continuação da acusação por outros supostos crimes, embora estes estejam prestes a prescrever, mostra "a verdadeira intenção das autoridades". O caso é, continua a organização, um "perfeito exemplo de como o sistema de justiça criminal pode ser mal utilizado pelas autoridades para punir e dissuadir o trabalho dos defensores dos direitos humanos".

A Grécia seguiu, como Itália, um caminho de proibir e criminalizar acções de salvamento. Há cerca de 50 trabalhadores humanitários a serem actualmente alvo de processos no país.

O Governo conservador de Kyriakos Mitsotakis, que tomou posse em 2019, prometeu fazer diminuir o número de chegadas de requerentes de asilo, declarando no Parlamento que o país não seria "o anfitrião amigo dos oprimidos deste mundo".

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