Novo ano, a mesma missão: prevenir e combater o bullying e o cyberbullying!!!

Não podemos falar em promoção dos direitos das crianças e jovens quando estes vivenciam ambientes pouco positivos ou empáticos devido à inércia, negligência ou apatia dos adultos.

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"As situações mais graves de bullying e cyberbullying deixam “marcas” para toda a vida" Morgan Basham/Unsplash

Há muitos anos que muitas crianças, jovens e suas famílias têm como uma das suas principais resoluções para cada novo ano que se inicia, o fim do bullying e/ou cyberbullying que afeta, por vezes diariamente, as suas vidas. E quando o fazem tal desejo ocorre pelo menos duas vezes no ano, a cada novo janeiro mas também em meados de setembro, em cada reinício das aulas. Muitas vezes esquecemos que o bullying e/ou cyberbullying não terminam em junho com a chegada das férias de Verão, nem recomeçam em setembro com o início das aulas, é uma missão que se deve concretizar todos os dias nos diversos contextos onde temos crianças e jovens em idade escolar.

Não podemos falar em promoção dos direitos das crianças e jovens quando estes vivenciam ambientes pouco positivos ou empáticos devido à inércia, negligência ou apatia dos adultos que são responsáveis por cuidar destes mas que teimam em não o fazer ou até minimizarem tais comportamentos agressivos e extremamente marcantes. Por vezes existe quem pense que é um exagero mas as situações mais graves de bullying e cyberbullying caso não sejam detetadas precocemente e/ou alvo de uma intervenção especializada, deixam “marcas” para toda a vida, dito de modo mais direto, não existem ex vítimas.

Infelizmente continuamos a não ter um diagnóstico que seja verdadeiramente nacional dos índices de bullying/cyberbullying, sabermos quais os agrupamentos escolares, clubes desportivos e/ou culturais ou outras organizações que trabalhem na área da infância e juventude, como são as casas de acolhimento residencial, que nos revelem quais as regiões do país com maiores e menores taxas deste tipo de comportamentos agressivos interpares ou quais as ações mais frequentes e em que faixas etárias ocorrem e, deste modo, nos ajudem a criar e dinamizar projetos locais (pelo menos a nível concelhio) criando estratégias de prevenção, combate e intervenção nestes domínios.

Algumas das medidas a implementar podem ser a criação de um Observatório Municipal do Bullying e Cyberbullying, a promoção e incentivo à investigação sobre estas problemáticas através do apoio junto da comunidade científica da região, a oferta de programas de formação de curta, média e longa duração dirigidos a pessoal docente e não docente, dirigentes desportivos, agentes culturais, famílias e comunidade em geral, a criação, gestão e divulgação de uma linha municipal de denúncia e aconselhamento para casos de bullying e cyberbullying ou ainda a adoção e divulgação de um formulário de denúncia destes casos, disponível online mas também em formato papel em muitos locais mais relevantes da região, como as Bibliotecas Municipais, as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ’s) e outras organizações.

Deste modo, a criação de equipas constituídas por diferentes profissionais e representantes de organizações regionais que tenham aos seu dispor os meios logísticos e financeiros para atuar, o mais precocemente possível, nestes comportamentos agressivos verbais, físicos, psicológicos, relacionais, sexuais e realizados através dos dispositivos digitais e redes sociais, de modo repetido, intencional, entre pares e sempre numa relação de desequilíbrio de poder é algo mais que essencial, urgente.

Depois temos de alterar o mais rapidamente possível um paradigma ainda muito presente no nosso país, a sazonalidade da prevenção e combate ao bullying e cyberbullying, ou seja, continuamos a ter uma visão de que bastam “meia dúzia” de atividades realizadas em datas pontuais como Dia Mundial de Combate ao Bullying, o Dia da Internet Segura ou mesmo durante um mês como acontece em outubro um pouco por todo o mundo, tudo se resolve, nada mais errado, a prevenção e combate a estas problemáticas é um trabalho diário, que nunca está completamente terminado e que deve ser feito numa lógica de parcerias entre elementos da comunidade local mas também num nível mais abrangente.

A investigação demonstra-nos que as entidades onde são desenvolvidos projetos e programas antibullying, desenvolvidos ao longo de todo o ano e não de modo pontual, conseguem diminuir os índices em, pelo menos, 50%. Esta visão sistémica que agregue agrupamentos escolares, clubes desportivos, projetos e organizações de todo o país permitirá ajudar a tutela no sentido de criar uma estratégia nacional de prevenção, combate e intervenção nas áreas do bullying e cyberbullying.

Atualmente temos o Programa Escola Sem Bullying, Escola Sem Violência, criado em 2019 e do qual dois elementos da AjudAjudar foram consultores, foi um passo em frente mas escasso, uma vez que coloca o foco no trabalho das escolas, do pessoal docente e não docente, alunos, famílias e comunidades, o que é muito positivo mas é igualmente importante que o mesmo seja revisto e reforçado através da atribuição de verbas e de horas específicas para que os envolvidos no mesmo (alunos, professores, técnicos e assistentes operacionais) possam criar, dinamizar, acompanhar e supervisionar esses pequenos projetos e desse modo, a curto/médio possam surgir os resultados dessa intervenção mais consistente e holística a estas problemáticas. Voltamos a realçar que a participação das crianças e jovens, protagonistas dos comportamentos de bullying e cyberbulllying, é muito importante, já que mais que parte do problema devem, cada vez mais, ser vistos como elementos fundamentais da solução.

Outra questão que acreditamos ser muito importante é a criação de legislação específica nas áreas do bullying e cyberbullying. Apesar de existirem formas de intervir junto de quem protagoniza este tipo de ações agressivas entre pares, até aos 12 anos aplica-se a Lei de Promoção e Proteção, entre os 12 e os 15 anos, a Lei Tutelar Educativa e a partir dos 16 anos aplica-se o Código Penal, enquadrando cada comportamento agressivo numa das suas alíneas. Este passo é incontornável e na nossa opinião deverá assentar numa filosofia de prevenção, essencialmente pedagógica e não numa vertente meramente punitiva, centrada apenas na lógica de “castigar” quem pratica estes comportamentos sem que exista um processo de reflexão, de envolvimento e consciencialização devidamente estruturado e que seja promotor de mudança.

Há muitos anos que em alguns países existe este tipo de trabalho que permite que alguns dos projetos e programas antibullying mais importantes em todo o mundo tenham nas suas fileiras, pessoas que antes foram agressores de bullying e/ou cyberbullying. Estas crianças e jovens, alguns agora já adultos tornaram-se proativos combatentes antibullying, visto que foram envolvidos em projetos que lhes permitiu desenvolver ou reforçar as competências pessoais, emocionais e sociais, de forma a tornarem-se indivíduos mais empáticos, resilientes, assertivos, melhorando igualmente a sua autoestima já que muitos achavam que apenas “eram bons a fazer mal”, interiorizando esta lógica distorcida de relacionamento interpessoal. Em muitos dos projetos que temos trabalhado ao longo dos últimos 20 anos, a colaboração de jovens que antes estiveram envolvidos em comportamentos agressivos junto dos seus pares tem sido uma premissa que acreditamos ser fundamental para o sucesso desses programas e projetos.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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