Cânone da pintora barroca Artemisia Gentileschi ganha mais quatro obras

Curadores de uma exposição dedicada ao seu período napolitano atribuem-lhe autoria de trabalhos até agora creditados à sua oficina ou a outros artistas.

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Triunfo de Galatea, de Artemisia Gentileschi DR

A exposição Artemisia Gentileschi em Nápoles, em exibição até Março na nova sede napolitana do museu Gallerie d’Italia, veio acrescentar mais quatro pinturas ao cânone de uma das mais notáveis pintoras europeias do período barroco. Os curadores da mostra, Giuseppe Porzio e Antonio Ernesto Denunzio, atribuíram à artista a autoria de obras até agora creditadas a Bernardo Cavallino (1616-1656) ou apenas reconhecidas como realizações colectivas saídas da oficina napolitana de Gentileschi.

A entrada mais significativa na lista de obras de Artemisia Gentileschi (1593-1656) é provavelmente a pintura O Triunfo de Galatea, realizada por volta de 1650 e emprestada para esta exposição pela National Gallery of Art, em Washington, DC, nos Estados Unidos, que a atribui a Cavallino, um importante artista napolitano vinte e tal anos mais novo do que Gentileschi, mas que veio a morrer no mesmo ano que ela, possivelmente vitimado pela peste.

A National Gallery of Art acompanhou a tese do historiador de arte napolitano Nicola Spinoza, que considera Cavallino o verdadeiro autor da pintura, ao passo que Giuseppe Porzio, que assina o texto relativo ao Triunfo de Galatea no catálogo da exposição napolitana, está convicto de que as mais recentes investigações dão razão à tese até hoje minoritária do crítico americano Raymond Ward Bissell, falecido em 2019, que sempre acreditou, observa o curador, que “a iconografia, concepção e monumentalidade” da obra “só podiam ter saído da mente de Artemisia Gentileschi”.

É hoje razoavelmente consensual que este óleo sobre tela terá sido de facto encomendado a Gentileschi por um aristocrata siciliano, Antonio Ruffo, mecenas de artistas e grande coleccionador, mas Porzio defende que ela “é não apenas a destinatária da encomenda, mas também a criadora da composição”.

Outra obra que chegou a ser atribuída a Cavallino é uma pintura do episódio bíblico de Susana e os Anciãos, emprestada por um coleccionador privado londrino, que foi restaurada em 2022, e que os curadores da exposição consideram ser da autoria de Gentileschi. A tela foi levada à praça em Janeiro do ano passado pela Sotheby’s, que previa que esta pudesse atingir um máximo de 2,5 milhões de dólares (2,35 milhões de euros) – em 2019, o seu retrato de Lucrécia foi comprado em Paris por 4,8 milhões de euros e prevenia os interessados de que a pintura estava requisitada para a exposição que a Gallerie d’Italia iria inaugurar em Nápoles no final do ano.

Esta versão de Susana e os Anciãos é também um bom exemplo da colaboração entre Gentileschi e um conjunto de pintores napolitanos da época. Se não restam grandes dúvidas de que a protagonista feminina do quadro – uma jovem surpreendida no banho por dois anciãos, que a chantageiam para satisfazer a sua luxúria – é obra da própria pintora, o catálogo da exposição admite a possibilidade de que os dois homens tenham sido pintados por Cavallino.

O episódio de Susana e os anciãos é, de resto, um dos tópicos mais recorrentes da obra da artista. A sua versão mais prestigiada é provavelmente a tela de 1652 conservada na Pinacoteca Nazionale de Bolonha, que terá sido completada com a colaboração de um discípulo, Onofrio Palumbo, mas Gentileschi tinha apenas 17 anos quando pintou pela primeira vez esta história bíblica, o que tem levado a crítica a relacionar a escolha do tema com a violação de que foi vítima pela mesma altura, perpetrada por Agostino Tassi, um estudante do seu pai, o pintor Orazio Gentileschi.

As outras duas pinturas presentes na exposição de Nápoles que foram agora atribuídas a Artemisia Gentileschi – O Triunfo de David e O Banho de Betsabé – vieram ambas do John and Mable Ringling Museum of Art, em Sarasota, na Florida, que as atribui genericamente à oficina napolitana da artista.

No que respeita à primeira, Porzio acredita que a paisagem e as figuras em segundo plano se devem a Domenico Gargiulo, também conhecido como Micco Spadaro, e que a pintura possa também acusar alguma contribuição do já referido Onofrio Palumbo, mas sustenta que os trabalhos foram feitos sob a direcção exclusiva de Gentileschi.

Se as quatro novas atribuições vierem a reunir consenso, o cânone de Artemisia Gentileschi, considerada uma herdeira de Caravaggio, passa a inluir 65 obras, das quais 21 integram esta exposição, que inclui ainda pinturas dos muitos artistas com quem conviveu e colaborou nesta fase final da sua carreira, iniciada em 1634, quando se fixou em Nápoles.

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