Ressacas complicadas? Como a genética e a personalidade podem fazer a diferença

Depois de uma “noitada” podes não estranhar acordar maldisposto. Mas e se os teus amigos acordarem bem? Estas diferenças não dependem só da quantidade de álcool que é consumido.

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Como lidar com a ressaca Polina Tankilevitch/Pexels

Depois de uma “noitada” podes não estranhar acordar maldisposto. Mas o que te pode surpreender é os teus amigos não se sentirem da mesma maneira. Uns podem estar pior, outros melhor e alguns (se tiverem sorte) podem não sentir qualquer consequência negativa.

Isto é a diversidade de uma ressaca. Em estudos, as ressacas são medidas numa escala de 11 pontos (sendo zero nenhum efeito e dez como extremamente ressacado). Na minha investigação, os participantes falaram de ressacas entre os valores de um (muito suave) e oito (forte), enquanto outra investigação estimou que cerca de 5% das pessoas sejam resistentes à ressaca.

Então, porque há esta diferença? Não se limita apenas à quantidade que bebemos. Os investigadores começaram a estudar mecanismos biológicos e psicológicos que podem influenciar a nossa experiência durante a ressaca.

Mecanismos biológicos

Alguns estudos sugerem que pessoas com uma variação do gene ALDH2 têm ressacas mais complicadas.

Quando consumimos bebidas alcoólicas, o álcool é decomposto pela enzima álcool desidrogenase em acetaldeído – um composto químico importante para o desenvolvimento de sintomas de ressaca. No entanto, a variante do gene ALDH2 limita a degradação do acetaldeído, levando a uma maior acumulação do composto químico, o que resulta em mais sintomas de ressaca.

Idade e sexo também podem influenciar a forma como a ressaca é vivida. Um inquérito recente respondido por 761 consumidores holandeses de bebidas alcoólicas permitiu entender que a gravidade da ressaca diminui com a idade, mesmo quando ajustada à quantidade de álcool consumida.

Curiosamente, os autores do estudo também relatam diferenças na gravidade da ressaca entre homens e mulheres. As diferenças entre sexos foram mais notórias nos consumidores mais jovens, com os homens entre os 18 e os 25 anos com uma maior tendência para ressacas mais graves quando comparado com jovens consumidoras. No entanto, ainda não se sabe por que razão surgem essas diferenças.

Factores psicológicos

Alguns aspectos psicológicos, incluindo ansiedade, depressão, níveis de stress e até características da personalidade, podem estar ligados a como a ressaca é vivida.

Anteriormente, estudos sugeriam que o neuroticismo, um amplo traço de personalidade que causa nas pessoas uma tendência crescente para verem o mundo de forma negativa, pode prever a gravidade de uma ressaca. No entanto, mais recentemente essa ideia foi contestada por um outro estudo que não encontrou nenhuma ligação entre ressaca e personalidade.

Isto é um pouco surpreendente uma vez que a extroversão, um traço de personalidade caracterizado por uma pessoa ser sociável e extrovertida, está positivamente associada a comportamentos de consumo excessivo de álcool em estudantes universitários, embora não pareça estar ligada a ressacas piores. Isto acontece mesmo contra as evidências de que beber em demasia com mais frequência está associado a ressacas mais graves.

Ansiedade, depressão e stress também estão associados a ressacas mais pesadas. Cada um destes estados de espírito está associado a uma tendência negativa de interpretar o mundo. Estas descobertas mostram que as ressacas também tendem a fazer com que as pessoas vejam o mundo de forma mais negativa. Como consequência, as ressacas podem exacerbar essa tendência negativa, levando algumas pessoas a sentirem-se pior do que outras.

Mecanismos de sobrevivência

É possível que a maneira como lidamos com situações adversas possa estar por detrás da forma como experienciamos uma ressaca.

A catastrofização da dor refere-se à forma como uma pessoa enfatiza a experiência negativa da dor. Alguns estudos mostram que pessoas com pontuações mais altas sentem ressacas mais graves – sugerindo que se estão a concentrar nos sintomas negativos e possivelmente a amplificá-los. Outros estudos também mostraram que as pessoas que tendem a lidar com os problemas ignorando-os ou negando-os tendem a ter ressacas piores.

A regulação das emoções é outro mecanismo psicológico importante que nos ajuda a lidar com situações difíceis, ao gerir e responder, de forma eficaz, as experiências emocionais. Curiosamente, embora as pessoas que estão de ressaca relatem sentir que é mais difícil regular as emoções, isso pode não ser o caso. Estudos mostram que os participantes que se encontram de ressaca são capazes de controlar a resposta emocional da mesma forma que aqueles que não estão de ressaca. Isto pode significar que as pessoas escolhem estratégias regulatórias mais fáceis (mas menos eficazes) durante uma ressaca, como evitar sentimentos de culpa ou vergonha. Mas isso ainda está para ser determinado.

O que podemos fazer?

Embora investigadores possam ter identificado alguns compostos naturais que podem aliviar os sintomas gerais da ressaca, ainda são necessárias mais pesquisas para determinar se eles devem ser recomendados como parte de um tratamento. Enquanto isso, cabe a cada um identificar a melhor estratégia para aliviar a própria ressaca.

Um outro estudo sugere que uma estratégia usada por estudantes para lidar com uma ressaca é sofrerem juntos enquanto se relacionam com as diferentes experiências e que isto pode ser útil para ajudar a aliviar pelo menos alguns dos efeitos emocionais negativos de uma ressaca. Cuidar do próprio bem-estar e encontrar melhores estratégias para reduzir os níveis de stress e adoptar melhores mecanismos de superação também podem ajudar a lidar com as consequências negativas de uma ressaca.

Apesar disso, se quiseres mesmo evitar uma ressaca, o mais seguro é optar por alternativas não alcoólicas.


Exclusivo P3 / The Conversation
Craig Gunn é professor de Ciências Psicológicas, Universidade de Bristol

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