A saúde psicológica dos adolescentes: um modelo quadripartido para definir ações

Previmos desde a primeira vaga da pandemia que esta iria ter repercussões sobre a saúde psicológica das pessoas (neste caso dos alunos).

Foto
"De 2018 para 2022 a situação piorou significativamente para os rapazes, que deixaram de estar tão bem, e para as meninas que passaram a estar bem pior" Nuno Alexandre/Arquivo

O estudo HBSC/OMS que se realiza em Portugal desde 1998, todos os quatro anos, estuda os comportamentos dos adolescentes e suas associações aos contextos de vida, permitindo uma monitorização das situações nacionais e comparações internacionais e tem enorme impacto nas políticas públicas.

Um terço dos alunos não gosta da escola. Em 2014 começamos a inquirir porque não gostam e o que não gostam: não gostam das aulas e da comida do refeitório e gostam dos recreios e dos amigos, consideram a matéria excessiva e aborrecida, queixam-se do foco excessivo nas notas. Em 2022, pela primeira vez desde há anos, o gosto pela escola não piorou.

No grupo de trabalho que definiu o Plano de Recuperação das Aprendizagens Escola 21 23+ ficou claro que esta recuperação tinha de ser feita num cenário de saúde psicológica e que os alunos deviam ser ouvidos e ajudados a fazer sentido dos seus tempos de pandemia, perfilava-se uma oportunidade única para olhar para os curricula e metodologias de ensino e os rever.

Portugal tem escolas excelentes onde os professores são motivadores e as escolas dispõem já de legislação específica: a autonomia das escolas, a flexibilidade curricular, o perfil do aluno a saída da escolaridade obrigatória, o perfil das escolas. Estudámos o que promove a qualidade destas escolas num outro estudo com a DGEEC e outras instituições cujas medidas estão em curso: identificamos por exemplo a relevância do ambiente da escola e das características do diretor/a; identificámos o sofrimento psicológico de alguns professores (nomeadamente mulheres com mais anos de carreira) e foram tomadas medidas com impacto no autocuidado e promoção da saúde psicológica, que incluem psicólogos.

Previmos desde a primeira vaga da pandemia que esta iria ter repercussões sobre a saúde psicológica das pessoas (neste caso dos alunos). Este estudo da DGEEC confirmou, apontando para um terço dos alunos de algum modo em sofrimento psicológico (e metade dos professores) e propôs medidas remediativas e de reversão de impactos negativos e até de promoção de otimizações, com a criação do Observatório da Saúde Psicológica e bem-estar ligado à DGEEC.

Em relação ao estudo HBSC de 2022, mais de 70 % dos alunos considera-se feliz; mais de 80% não tem sintomas físicos nem psicológicos de mal-estar; entre 70 e 80% dos alunos não se considera preocupado, sente-se capaz de gerir a sua vida, sente-se saudável, refere uma boa comunicação com os pais, gosta do sítio onde mora. Se estes valores se referem a maioria dos alunos sem problemas apesar das circunstâncias difíceis, confirma que entre um quarto e um terço dos alunos necessita de medidas urgentes.

Depois de anos de recessão, e pandemia (porque ainda não tínhamos a guerra na altura da recolha destes dados) convenha-se que os dados sugerem que a situação “apenas” piorou um pouco se nos lembrarmos que antes não havia zero problemas.

Quando cruzamos os alunos satisfeitos com a vida e os alunos com sintomas de mal-estar psicológicos obtemos quatro grupos com uma combinação destas situações: os rapazes estão mais frequentemente no quadrante “satisfeito com a vida e sem sintomas de mal-estar psicológico” e as raparigas no quadrante oposto “não satisfeitas com a vida e com sintomas de mal-estar”. De 2018 para 2022 a situação piorou significativamente para os rapazes, que deixaram de estar tão bem, e para as meninas que passaram a estar bem pior. Esta situação duplamente negativa nas meninas, corresponde a uma percentagem de mais de 30% tanto em 2018 como em 2022.

As escolas têm de aproveitar a autonomia e a flexibilidade curricular para reorganizar os seus ecossistemas e outra mensagem importante para pais e professores é que as notas são importantes, mas não podem ser “tudo na vida” e por isso o repto é tornar as notas uma aferição dos conhecimentos e não o objetivo final da Escola e do Conhecimento. Tal toca no processo de candidaturas para o ensino superior, no interesse da universidade como garante de um futuro.

Os tempos de lazer dos jovens estão vocacionados para as tecnologias (tal como em 2018, e até 1998 embora essa tecnologia fosse a televisão) a ouvir música e dormir. Cerca de metade dos jovens não lê, não pratica um desporto (tal como em 2018, e aliás em 1998). Poucos jovens praticam atividades tipo voluntariados, religiosas e políticas (tal como em 2018 e aliás em 1998).

O lazer é uma área esquecida a recuperar, com dois cuidados: um é não tornar o lazer um emprego “stressante”, outro evitar que as TIC esgotem o campo de interesses dos jovens. Alguns deles estão a começar a queixar-se deste “afunilamento”, mas não encontram alternativas, continuam à procura do “seu” lazer.

A Internet está à mão 24 horas por dia, ajuda a regular sentimentos negativos, permite atividades infinitas. O problema pode ser a dependência e o estreitamento dos interesses. Regulam as emoções negativas através do uso da Internet? Fica óbvia a necessidade de o saberem fazer de outro modo igualmente eficaz. As auto lesões vêm desde 2010 a subir e a afetar em 2022 um quarto dos jovens, alegando dificuldades de auto-regulação de emoções negativas, tédio, exaustão.

O que temos para propor: melhor auto-regulação? Melhor gestão de si? Descompressão no lazer? Mais uso da Internet? Consumo de substâncias (que está em baixa e parece ter sido substituído por medicamentos psicotrópicos e antiálgicos não prescritos)?

Como incentivar e apoiar causas intergeracionais? Vamos ouvir os jovens e deixá-los envolver-se em ações de cidadania?


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

Sugerir correcção
Comentar