BE quer desclassificar documentos militares até 1975 para “repor a justiça histórica”

O partido de Catarina Martins defende que a disponibilização dos documentos sobre a Guerra Colonial permitiria “desmontar” a “ficção” sobre o colonialismo português.

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O massacre de Wiriyamu aconteceu a 16 de Dezembro de 1972 ANTÓNIO SILVA

O Bloco de Esquerda (BE) entregou esta sexta-feira no Parlamento uma recomendação para o Governo desclassificar todos os documentos militares datados até 1975 a fim de "repor a justiça histórica" para aqueles que foram afectados pela Guerra Colonial e de "desmontar" a "ficção" sobre o colonialismo português.

"Recentemente completaram-se 50 anos do massacre de Wiryiamu colocando novamente em evidência a necessidade de os documentos militantes anteriores a 1975 serem desclassificados para que a população num Estado democrático tenha acesso à informação relevante da História do país", afirmam os bloquistas no projecto de resolução.

De acordo com os deputados do BE, embora exista uma "colectânea de um período marcante do Estado Novo e da sua natureza colonialista e imperialista" nos arquivos históricos das Forças Armadas, especificamente os documentos relativos à Guerra Colonial de 1961 a 1974, "a vasta maioria deste acervo ainda se encontra classificada, impedindo o seu acesso integral ou parcial a investigadores, jornalistas, académicos, estudantes e outros membros da sociedade civil".

Considerando que "o processo de consolidação democrática se faz através do aprofundamento da transparência, do pleno acesso à informação, da publicidade da actividade dos órgãos do Estado e do escrutínio sobre a actuação política", o Bloco defende, assim, que é "dispensável a negação do acesso a essas informações".

E sublinha ainda que a disponibilização destes documentos se trata não só de um "imperativo histórico", visto que "incidem num período de tempo e num contexto político" em que os "preceitos democráticos" estavam "profundamente ausentes", como de uma forma de "repor a justiça histórica para todos" os que foram "afectados por este evento".

"Incluindo os 8831 mortos, 30 mil feridos, 4500 mutilados, 14 mil deficientes físicos e os mais de 100 mil diagnosticados com perturbação de stress pós-traumático (...) arrancados brutalmente às suas famílias e atirados à força para uma guerra colonial injusta e criminosa durante 13 anos", acrescenta.

Além disso, o partido de Catarina Martins sustenta que a desclassificação poderia "garantir uma maior fiabilidade da documentação da história nacional" e permitir "desintrincar os processos de investigação que vão sendo produzidos".

Mas, mais do que isso, contribuiria para o "propósito essencial de desmontar" a "ficção contada e recontada sobre esse período da história colectiva portuguesa que tende a justificar a exploração, a barbárie, a violência, a opressão e o genocídio" ao representar a "experiência ultramarina portuguesa" como "benevolente", defendem os bloquistas.

Os deputados do BE utilizam ainda como argumento o facto de a desclassificação destes documentos "não colocar em risco ou dano a preservação da segurança interna e externa, bem como outros interesses fundamentais do Estado".

A questão da disponibilização dos documentos da Guerra Colonial foi recentemente levantada pelo historiador Mustafah Dhada que, a propósito dos 50 anos do massacre de Wiriyamu em Moçambique, afirmou em entrevista ao PÚBLICO, na semana passada, que "o Parlamento devia instituir uma lei a dizer que todos os documentos devem ser depositados nos arquivos" com "retroactivo até 1933" porque, caso contrário não "podemos ter uma visão realmente transparente” do colonialismo português.

Na altura, Fabian Figueiredo, dirigente do BE, defendeu, numa publicação no Twitter, a desclassificação dos documentos militares anteriores ao fim da Guerra Colonial, justificando que "o país e as vítimas da colonização têm o direito à verdade".

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