Mike Hodges (1932-2022), um realizador que começou e acabou no crime

Get Carter e Flash Gordon eram dois dos filmes mais populares do britânico que morreu aos 90 anos.

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Mike Hodges tinha 90 anos Carlo Allegri/Getty Images

Entre o início dos anos 1970 e os anos 2000, o britânico Mike Hodges, que morreu no passado dia 17 aos 90 anos, assinou dez filmes. Nascido em Bristol em 1932, a passagem de Hodges pelo cinema começou e acabou nas histórias de crime e vingança. Primeiro, em 1971, com o brutal clássico Get Carter, centrado num criminoso interpretado por Michael Caine que regressa de Londres para a zona de Newcastle em busca de quem matou o seu irmão. Depois, em 2003, dirigiu Clive Owen, a quem tinha dado um excelente cartão-de-visita internacional em 1998, com o neo-noir Croupier, em Só a Morte me Pode Parar. A morte de Mike Hodges foi anunciada, dias depois, pelo produtor desse último filme, Mike Kaplan, à revista Variety.

Pelo meio, Hodges fez o filme de super-heróis de culto Flash Gordon, o da canção dos Queen, uma adaptação das tiras de banda desenhada homónimas da década de 1930. Também se lançou às comédias, com Batota no Jogo, também com Caine, Os Tarados do Espaço, com as estrelas da comédia televisiva Griff Rhys Jones e Mel Smith. Fez filmes que ficaram esquecidos, como o Os Guerrilheiros da Sombra – do qual não se orgulhava –, com Mickey Rourke e Bob Hoskins, ou o thriller de terror O Arco-Íris Negro, com Rosanna Arquette, assolado por problemas de distribuição. Em 1975, adaptou Michael Crichton para o filme de terror de ficção científica O Homem Terminal, com George Segal.

Antes de tudo isso, contudo, passou, no final da década de 1950, pela Marinha Real Britânica, o que influenciou o seu trabalho. Numa carta enviada pelo próprio Mike Hodges ao diário britânico The Guardian em Maio deste ano, em resposta a um artigo do crítico Peter Bradshaw, que recordou o episódio ("Um criador de obras-primas tão confortável com crime sombrio quanto ficção científica cómica", lê-se no título), falou de como essa radicalização inspirou a brutalidade de Get Carter, adaptação de um romance de Ted Lewis. Passou mesmo pelas comunidades piscatórias e portos como North Shields, onde decorre a acção do filme.

"Ao longo de dois anos, os meus olhos de classe média foram forçados a testemunhar pobreza horrenda e uma privação de que eu era desconhecedor. Entrei na Marinha como um recém-diplomado revisor de contas e um jovem tory complacente, e saí de lá um jovem homem irado e radical", escreveu. Bradshaw menciona que o "génio de Hodges", nesse filme, estava em "mostrar-nos que o crime e o realismo social se sobrepõem porque o crime era uma das poucas maneiras de as pessoas de classe trabalhadora se tornarem ricas".

Depois da Marinha, passou pela televisão, onde chegou, na ITV, a produtor do programa de cultura Tempo, onde realizou perfis e entrevistou vultos como Jacques Tati, na rodagem de Playtime, Orson Welles ou Ornette Coleman. Começou a realizar telefilmes no final dos anos 1960, tendo continuado a realizar para esse meio mesmo após começar a sua carreira no cinema, com minisséries, documentários e outros filmes.

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