Jovem acusado de planear ataque à Faculdade de Ciências absolvido de terrorismo

O tribunal condenou o jovem estudante a dois anos e nove meses de internamento clínico por posse de arma proibida. Ministério Público queria condenação por terrorismo.

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Jose Goulao/ Lusa

Foi condenado a um internamento clínico por dois anos e nove meses o jovem que planeou um ataque à Faculdade de Ciências de Lisboa. O aluno de Engenharia informática João Carreira comprou um arco e flecha e várias armas brancas para alegadamente matar estudantes, cometendo um atentado semelhante àqueles que sucederam em escolas norte-americanas e que o tornaria famoso. A justiça absolveu-o do crime de terrorismo de que estava acusado, sentenciando-o apenas a posse de arma proibida.

Cientes da condição clínica do jovem, que tem síndrome de Asperger, os juízes do Campus da Justiça de Lisboa que proferiram o veredicto levaram em linha de conta o parecer dos psiquiatras forenses, segundo os quais, apesar de ser imputável, o adolescente não estava sob nenhum surto psicótico mas vivia num mundo alternativo, sendo desaconselhado o seu encarceramento numa cadeia.

Depois de João Carreira ter sido denunciado ao FBI por um jovem norte-americano com quem interagia nas redes sociais, a quem mostrou as armas que tinha comprado e com quem partilhou os seus pensamentos homicidas e suicidas, a Judiciária apareceu-lhe na casa que partilhava com outros estudantes e deu com o arsenal bélico no seu quarto. A informação fornecida às autoridades pelos norte-americanos era vaga, mas graças ao nickname de João Carreira numa dessas redes, Psychotic Nerd, os investigadores portugueses conseguiram chegar à sua verdadeira identidade.

Depois de matar os colegas de forma indiscriminada, o estudante de 18 anos tencionava pôr fim à sua própria vida. Tinha desenvolvido uma depressão motivada por estar a estudar sozinho em Lisboa, vindo de uma aldeia do concelho da Batalha de onde nunca saíra, e por a rapariga com quem queria namorar se ter afastado dele.

As explicações que o adolescente deu aos magistrados durante o julgamento revelaram-se confusas. Tanto disse que queria matar o máximo de pessoas, como disse que se calhar quando chegasse a hora talvez não tivesse coragem para levar a cabo o atentado, do qual já tinha desistido quatro vezes quando foi capturado no quarto pela Judiciária.

"Talvez fosse atirar cocktails Molotov e setas, esfaquear pessoas", admitiu em tribunal. Para logo a seguir afirmar: "Acho que não queria realmente fazer aquilo. Que não tinha coragem para matar ninguém." Porém, para os inspectores da Judiciária representava uma ameaça bem real. "Fogo, eu já devia ter feito isto na segunda-feira passada", recordam-se de o ouvir dizer quando lhe entraram quarto adentro às sete da manhã. Numa mala de viagem, acondicionados por camadas, encontraram a besta com as respectivas flechas, facas, cocktails Molotov, um pé-de-cabra e um maçarico.

Em tribunal, João Carreira contou que foi acompanhado em medicina psiquiátrica até aos 17 anos, altura em que lhe foi dada alta médica. E que, quando se sentiu muito deprimido, a viver longe da família, optou por não pedir ajuda aos pais: "Para não parecer que era um doente mental."

Apesar de considerar que o jovem praticou actos com características enquadráveis no crime de terrorismo - admitiu que pretendia fazer vítimas indiscriminadas, para mostrar que em Portugal os assassinatos em massa também ocorrem -, os juízes entenderam que faltavam neste caso requisitos legais à situação que permitissem enquadrá-la neste delito: "Não ficou demonstrado estar ligado a qualquer grupo de pessoas que planeassem praticar actos idênticos". É verdade que os lobos solitários do Estado Islâmico também agem a solo, apontou o presidente do colectivo de juízes Nuno Costa, mas são inspirados em ideologias extremistas. "Nada disso aconteceu aqui. O plano do arguido esgotava-se na actuação que ia levar a cabo com o seu suicídio".

Porém, o elevado número de armas que tinha na sua posse e o uso que lhes tencionava dar fez o tribunal aplicar-lhe uma pena efectiva de dois anos e nove meses, cumprida não na prisão mas num estabelecimento destinado a inimputáveis. "A comunidade não está preparada para receber o senhor João nem o senhor João está neste momento pronto para voltar a uma vida cá fora", considerou Nuno Costa, sublinhando a elevada perigosidade que revelou o estudante. Uma perigosidade que fez os juízes desistirem de lhe atenuar a pena, como a lei prevê que possa ser feito no caso de jovens delinquentes.

A absolvição do crime de terrorismo foi considerada uma vitória pelo advogado do arguido, Jorge Pracana, que sempre sustentou que os actos praticados pelo seu cliente não configuravam este tipo de delito. O causídico irá agora olhar para decisão judicial para decidir se apresenta ou não recurso da condenação por posse de arma proibida, por os dois anos e nove meses serem mais de metade da moldura penal máxima aplicável.

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