No jogo do “faz de conta”, a Croácia fingiu um pouco melhor

A ideia do jogo de atribuição do terceiro e quarto lugares é oferecer a quem esteve perto da final um prémio de consolação – um prémio é, que há uma medalha de bronze, mas consolação talvez não seja.

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Perisic e Boufal divertidos no Croácia-Marrocos EPA/Tolga Bozoglu

Às 16h02, sentei-me na tribuna do estádio internacional Khalifa. Sozinho. Estranhei, já que faltava apenas uma hora para o Croácia-Marrocos e o estádio estava “às moscas”. Afinal, não faltava uma hora, faltavam duas. Este equívoco foi o melhor prólogo possível para um jogo que é, também ele, um total equívoco.

No jogo do “faz de conta”, Croácia e Marrocos fizeram de conta que queriam jogá-lo e fizeram de conta que é importante ser terceiro classificado no Mundial. Mas os croatas fizeram de conta com um bocadinho mais de força e, nessa medida, levam para casa a medalha de bronze, com o triunfo por 2-1, neste sábado, na partida de atribuição do terceiro e quarto lugares. E o "faz de conta" refere-se, naturalmente, à FIFA e à insistência num jogo do qual outras entidades já abdicaram. Croácia e Marrocos, por sua vez, limitaram-se a cumprir o que lhes compete: jogar e, durante algum tempo, jogaram bem.

Horas antes de ir para o Khalifa, desafiei uma dezena de seguidores de futebol a dizerem-me o que pensam da existência desta partida. Seguem as respostas: “O jogo que ninguém quer jogar”, “uma parvoíce”, “jogo que não deveria existir”, “os 90 minutos com que nenhum jogador sonha, “o jogo do faz de conta”, “não concordo que exista”, “jogo triste” e “perda de tempo”.

Mas citemos alguém com mais peso, como Walid Regragui, treinador de Marrocos, que definiu o terceiro e quarto lugares com as “posições do idiota”. Sim, isto foi dito pelo treinador de Marrocos, ainda que tenha ressalvado que iria, com muita dificuldade, tentar motivar os jogadores e que uma medalha é sempre importante.

O leitor mais sagaz percebeu que há pouco só mostrei oito respostas da dezena que recolhi. Tem razão, faltam duas. “É um jogo potencialmente interessante, porque, como já não há muito a perder, os jogadores podem arriscar mais” e “prémio de consolação” foram coisas ditas por pessoas que vêem a vida com os olhos da felicidade. Temos de os invejar.

Estas duas ideias, apesar de estarem em minoria, mostram que este jogo não teria de ser totalmente vazio de relevância, mas talvez seja demasiado audaz falar de prémio de consolação – prémio é, que há uma medalha de bronze, mas consolação é difícil que seja. Pelo menos para alguns.

Marrocos seria sempre mais feliz neste jogo. Se há três dias dissessem aos africanos que lutariam pelo bronze, eles recusariam. Mas se lhes dissessem há um mês, provavelmente assinariam de cruz – até porque lhes permitiria serem a melhor equipa africana da história dos Mundiais. E já são.

É nessa medida que o “jogo da tristeza” seria sempre, para as gentes do Magreb, um pouco menos triste do que para os fãs e jogadores europeus da “Hrvatska”, já mais habituados a estas andanças em grandes competições. Não é desdenhável ter uma medalha na vitrine de casa, mas dificilmente seria motivação suficiente para abafar a tristeza das últimas horas.

Jogo divertido

O que se passou em Doha teve contornos tristes, como têm todos estes jogos de medalha de bronze – e o ambiente no metro, antes do jogo, atestou isso mesmo. Mas no relvado o futebol até foi bastante diferente disso.

O jogo foi muito divertido de seguir, algo que por vezes pareceu ter que ver precisamente com a tal ideia positiva saída da mini “sondagem” – a de não existirem amarras tácticas e mentais num jogo no qual pouco está em disputa.

Nessa medida, Marrocos não foi tão defensivo como costuma ser e a Croácia também foi mais audaz do que é habitual – nos africanos notou-se pela posição do bloco defensivo, nos europeus ficou patente na posição dos dois laterais, sempre muito mais abertos e subidos do que tem acontecido até aqui.

E também pela própria escolha dos jogadores. Apenas o guarda-redes e três dos quatro defesas eram jogadores defensivos, já que Perisic (actuou como lateral), Kovacic, Modric, Orsic, Majer, Livaja e Kramaric tinham predicados atacantes de sobra.

Isto notou-se no próprio Modric, já que o médio do Real Madrid ajudou na construção, como ajuda sempre, mas desta vez apareceu mais tempo em zonas de definição, uns bons metros mais à frente – não que a bola lhe tenha chegado muito, porque não chegou, mas pelo menos a predisposição croata para jogar mais perto da baliza adversária estava mais visível.

Foi um jogo de permanentes transições – quase sempre mal definidas, é certo – e com mais espaço para jogar do que tem sido habitual em muitas partidas deste Campeonato do Mundo.

Bons golos

Apesar de existir esse espaço, os golos até surgiram de bola parada. Aos 7’, um livre em zona central foi desenhado a dois tempos, com bola batida à esquerda e devolvida à zona central da área, onde surgiu Gvardiol a cabecear – belo golo de uma das novas pérolas do futebol europeu.

Dois minutos depois, algo semelhante do lado oposto: livre batido para a área, desvio de um defensor croata e finalização de Dari na zona central da área, também de cabeça.

Na tal posição mais avançada, Modric, que estranhamente tinha acabado de transviar um passe bastante fácil aos 20’, teve logo a seguir dois lances perto da área, um deles a dar remate defendido por Bono.

No lado de Marrocos jogava-se sobretudo na velocidade de Ziyech e Hakimi, mas sem sucesso na definição dos lances – ganharam a linha mais do que uma vez, mas cruzaram sempre mal.

Aos 42’, entrou ao serviço Mislav Orsic. O criativo com faro de golo voltou a fazer o que tanto faz: golos bonitos. Desta vez, com um remate em arco a partir do lado esquerdo – a defesa marroquina e o próprio Bono pareciam estar a contar com um cruzamento.

Chegaram as lesões

Na segunda parte, a tristeza de jogar pelo bronze foi adensada no lado croata, sobretudo para Kramaric. Lesionado – aparentemente com problema muscular –, o avançado saiu em lágrimas, possivelmente prevendo uma paragem longa no seu clube, feita num jogo sem especial relevância competitiva.

A seguir, para equilibrar, foi a vez de Yamiq sair também com uma presumível lesão muscular – mas fê-lo sem lágrimas.

Descontando estes detalhes, o jogo foi menos interessante após o intervalo. As substituições deram jogo a atletas menos utilizados (e sê-lo-ão por algum motivo) e uma frase no liveblog do Guardian lançava um cenário curioso: “A FIFA deveria permitir substituições ilimitadas em jogos de consolação”. É uma ideia.

Certo é que a partida ficou mais “morna”, sobretudo pela posse de bola mais lenta e pausada de parte a parte.

A excepção era o central Gvardiol, que se prestava a aventuras fora da sua zona – e boas aventuras, com pormenores técnicos de quem estava a querer conquistar o maior “tubarão” europeu possível, bem como ficar lembrado como melhor defesa do Mundial e não como aquele que foi destruído por Lionel Messi com todo o mundo a ver.

Descontando um cabeceamento de En-Nesiry, pouco se passava em remates à baliza e, sem isso, costuma ser difícil marcar golos. Ficou tudo como estava.

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