A noite em que Messi se aproximou de Maradona

Depois do triunfo frente à Croácia (3-0), Messi, que fez o que quis nesta meia-final, terá 90 minutos para guiar a Argentina a um título mundial, como fez Maradona em 1986.

Foto
Reuters/MOLLY DARLINGTON

Depois do Portugal-Marrocos, Pepe disse que iam arranjar forma de dar o título mundial aos argentinos – falava dos árbitros e da FIFA. Pois bem, o central português tinha razão, mas só em parte. Houve, de facto, alguém que quis muito levar os argentinos à final. Quis mesmo muito. Aqui entre nós, fique com o nome do "criminoso": Andrés Cuccittini. Ou Lionel Andrés Messi Cuccittini, se ajudar à identificação.

“Qué mirá, bobo? Anda pa' alla" [estás a olhar para onde, estúpido? Põe-te a andar...] é a frase de Lionel Messi para um jogador neerlandês que já circula em t-shirts e temos, hoje, uma resposta possível à pergunta de Messi: naquele dia, Weghorst, el bobo, olhava para o homem que está a um jogo de ser como Diego Armando Maradona, depois de mais um desempenho de alto nível – golo, assistência e vários momentos de genialidade, como tem sido sempre. E até uns laivos de Maradona, em mais um jogo soberbo, daqueles que provoca sorrisos na bancada.

A Argentina garantiu nesta terça-feira a presença na final do Mundial 2022, com um triunfo (3-0) frente à Croácia, e Lionel Messi, que muitos apontam como incapaz de levar o seu país à glória, vai ter 90 minutos para fazer o que lhe falta: guiar a Argentina a um título mundial, como Maradona fez em 1986.

Se tal acontecer, Messi não será nunca mais o génio que vacilou pela selecção – e esta premissa, na boca de muitos, seria tão cruel como inevitável.

Esventrando de fio a pavio uma outra premissa já famosa, esta do futebol português, dizemos que por cada génio que se levanta, um outro cairá – e, desta vez, a queda calhou a Luka Modric.

O médio de 37 anos trabalhou muito e bem neste Mundial, mas a há algo em que o futebol muitas vezes é cruel: mesmo num desporto colectivo, a melhor equipa pode perder, sobretudo quando do lado oposto há alguém que vale por mais do que um. Com um “Messic”, a Croácia se calhar estaria na final. “Só” com Modric – e que jogador ainda é este croata –, foi insuficiente.

No fim de contas, Neymar está em casa. Cristiano Ronaldo está em casa. Lionel Messi está a caminho da final do Mundial e Kylian Mbappé pode juntar-se nesta quarta-feira. Para já, o sonho da FIFA de ter um dos quatro geniais na final já está cumprido. Se conseguir uma final de génio vs génio então ninguém segura Gianni Infantino.

Argentina com Enzo a 8

A Croácia levou a este jogo o habitual 4x3x3 que, sem bola, não é mais do que um bastante precavido 4x5x1, com Kramaric no papel de “ilha deserta”.

Do lado argentino, Lionel Scaloni mudou de forma clara o que tinha desenhado frente aos Países Baixos. O sistema com três centrais voltou a ser um 4x4x2, com Enzo e Paredes no duo central. Para o jogador do Benfica foi o encarnar de posição e função semelhantes ao que faz em Portugal – Paredes fazia de Florentino, Messi fazia de Rafa e Álvarez de Ramos.

No meio-campo foi curiosa a dinâmica de ter por vezes um losango com bola, mas, após a perda, a equipa montar-se num 4x4x2 mais clássico – algo que permitia evitar defender em losango, mas essa permanente adaptação com e sem bola facilmente criaria atrasos no posicionamento. Foi um risco que Scaloni quis correr e correu-lhe bem.

O jogo teve momentos de mais Croácia e outros de mais Argentina, mas falamos apenas de controlo territorial – em oportunidades de golo era um jogo quase “sem balizas”. E se, antes do jogo, Juranovic dizia que passar a bola a Brozovic, Kovacic e Modric “é mais seguro do que pôr o dinheiro no banco”, talvez se tenha enganado. Os dois primeiros perderam a posse com maior frequência do que é habitual, algo que estragou alguns momentos de transição croata.

Por falar em perdas de bola, aos 25’ houve uma notícia: Messi perdeu uma bola. Outra notícia: fê-lo em zona perigosa. Não houve consequência, mas poderia ter havido.

O posicionamento de Enzo na posição 8 (e não a 6, como vinha a fazer) permitiu ao jogador do Benfica fazer um remate perigoso em zona frontal, aos 25’, e ser ele a isolar Álvarez aos 34’. Livakovic derrubou-o, mas o árbitro esperou para ver se haveria golo – porque sim, existe vantagem no penálti, ao contrário do que o futebolês nos “ensinou” desde sempre.

Lionel Messi chegou-se à frente e bateu um penálti tremendo, com força e colocação – só assim teria boa probabilidade de superar um especialista como Livakovic.

Tornou-se o melhor marcador da história da Argentina em Mundiais (11 golos, mais um do que Batistuta) e chegou aos cinco golos no Mundial, os mesmos de Mbappé.

Aos 39’, uma transição permitiu à Argentina correr campo fora. Foi Álvarez a ter a última palavra e o avançado, ao seu estilo, levou tudo à frente – ganhou dois ressaltos e só faltou entrar com a bola na baliza.

A Argentina ainda esteve perto do 3-0 aos 42’, num cabeceamento salvo por Livakovic, e era bizarra a forma como um jogo “morno” e aparentemente condenado ao 0-0 poderia, de repente, ter um duro 3-0. Nem a Croácia percebeu o que lhe aconteceu de repente.

Messi foi Messi

Na segunda parte houve um jogo de um só sentido. A Croácia muniu-se de mais um avançado e colocou Modric a 6. Mas o médio sentiu que tanto era necessário a construir atrás como a definir mais à frente.

Nesta indefinição, a Argentina teve alguns lances de transição para “matar” o jogo, um dos quais aos 58’, quando Messi, que não parecia ter caminho para o que quer que fosse, inventou uma oportunidade de golo. E teve mais um momento de vénia colectiva nas bancadas – já era o quarto momento desses em cerca de uma hora de futebol.

Mas ele queria mais. Queria pegar na bola perto do meio-campo e correr pela linha, sempre com a bola colada ao pé esquerdo. E também queria levá-la até à área, aguentando a carga do “monstro” Gvardiol. Não satisfeito, quis rodar sobre o central croata, ultrapassá-lo em drible e esperar pelo momento certo para oferecer um golo fácil a Álvarez, que bisou.

Nesta noite, como noutras, Messi fez o que quis. E quando Messi faz o que quer dificilmente a sua equipa, seja a Argentina ou o PSG, não sai do campo a sorrir. E tão ou mais importante: a fazer sorrir quem está na bancada.

Sugerir correcção
Ler 15 comentários