Mil e onze portugueses não chegaram e a selecção vai para casa

Mil portugueses nas bancadas e onze no relvado não bastaram para deitar abaixo 35 mil barulhentos marroquinos, mais os onze que correram incansavelmente no relvado. E acabou o Mundial português.

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Jogadores portugueses desesperados em Doha LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

Era uma vez um português, um argentino e um marroquino. O argentino apitou para o início do jogo, o marroquino correu que nem louco durante 90 minutos, sem parar, e o português, incapaz de ser sagaz, sabido e sabichão, como costuma ser nas anedotas populares, não soube dar-lhe a volta.

Troquemos as anedotas por português simples: Portugal está fora do Mundial 2022. A derrota (1-0) deste sábado frente a Marrocos impede a selecção nacional de chegar pela terceira vez às meias-finais do Campeonato do Mundo e os portugueses vão ver o que resta desta prova no sofá.

Em Doha, foram mil portugueses nas bancadas e onze portugueses no relvado. Isto não bastou para deitar abaixo 35 mil barulhentos marroquinos, mais os onze que lutavam no relvado do estádio Al Thumama – e lutaram bastante, que as “pilhas” deles não são das que se gastam.

No fim de contas, o silêncio, a paciência, o ataque e a qualidade técnica sucumbiram ao barulho, ao suor, à defesa e à quantidade de jogadores por metro quadrado.

Portugal não foi brilhante, longe disso, mas está por provar que alguma equipa vá conseguir sê-lo frente a esta formação marroquina, que – e isto tem de ser dito – já é das equipas que melhor defendem não neste Mundial, mas na história dos Mundiais.

"É como um sonho", diz na tribuna, sorridente e de telemóvel em riste, um funcionário da FIFA com afecto por Marrocos. E, para já, o sonho marroquino está de pé. Quem diria...

Um filme já visto

Garantimos que este jogo foi em Doha, que o PÚBLICO esteve por lá, mas mais parecia Rabat, Casablanca ou Marraquexe. Os marroquinos fizeram uma autêntica invasão ao estádio Al Thumama e assobiaram fortemente Portugal durante grande parte do tempo, além da barulheira e cantoria permanente a torcer pela selecção africana. Foi contra Portugal, mas foi bonito de ver – e tanto que este Mundial já precisou de ambiente assim.

Como se esperava, o Marrocos-Portugal não foi muito diferente do Espanha-Marrocos. A equipa africana voltou a montar um bloco muito denso e médio/baixo, fazendo quase um quadrado na zona central ao qual só faltava uma placa de “zona interdita”.

O plano era “oferecer” os corredores a Portugal, sabendo do quanto a selecção portuguesa desenvolve jogadas pelo centro do terreno.

A jogada de Portugal foi quase sempre a mesma: sair por um lado e virar a bola ao lado oposto, onde estavam Dalot, Guerreiro ou Félix, entregues à própria sorte, até porque o lateral contrário, inicialmente bem fechado, saía de imediato na pressão. Uma solução poderia ser mover mais um jogador para a zona da bola, depois de esta ser batida, permitindo a quem recebesse ter um colega para dois contra um. Nunca aconteceu.

O que também quase nunca aconteceu foi um dos jogadores dados “de borla” – os dois centrais mais o construtor que baixava – sair em condução. Vimos apenas uma vez, aos 28’, por Bruno Fernandes. Foi curto.

Também Gonçalo Ramos passou ao lado do jogo, porque Marrocos não dava espaço para bolas em profundidade.

Era impossível jogar no espaço ou entre linhas e, sendo apenas o corredor o local explorável, o jogo suplicava por Leão ou Cancelo – ou Nuno Mendes, se o lateral ainda cá estivesse.

Era, assim, um jogo pouco interessante, e a selecção marroquina até estava a ser mais perigosa. Portugal até teve um bom cabeceamento de Félix, mas a transição defensiva era sofrível, como se viu aos 34’ e aos 35’ – a primeira vez não chegou de aviso e havia quatro portugueses fora do processo defensivo, um luxo ao qual nenhuma equipa se pode dar a este nível.

Aos 42’, Portugal voltou a ser passivo sem bola e Allah pôde pensar, decidir, medir e executar um cruzamento ao qual En-Nesyri respondeu para golo. O avançado deu-se à marcação de Guerreiro e depois fugiu para cima de Rúben Dias – movimento à ponta-de-lança. E teve ainda uma boa ajuda de Diogo Costa, que falhou a abordagem aérea.

Sim, Bruno Fernandes ainda tirou do nada um remate à trave, mas se Marrocos não tinha feito muito para marcar, Portugal também não.

Santos deu-lhes cinco minutos

Fernando Santos colocou Cancelo a aquecer durante o intervalo, mas quis dar aos jogadores uma oportunidade de mudarem o curso do jogo sem dedo de treinador. Foram cinco minutos.

Aos 50’, Cancelo e Ronaldo foram lá para dentro (saíram Guerreiro e Neves), com Portugal a passar para um 4x4x2 mais clássico, com Otávio e Bernardo no meio, Fernandes à direita, Félix à esquerda e Ronaldo com Ramos na frente.

A tendência de Cancelo para “afunilar” o jogo quando actua pela esquerda acabou por não ter um efeito especialmente positivo no jogo português, ainda que a capacidade técnica superior a Guerreiro tenha ajudado a criar algumas soluções.

Fernandes rematou por cima aos 64’, em zona frontal, já depois de um mau cabeceamento de Ramos, mas o jogo não estava fácil.

Se o bloco de Marrocos já era baixo e pouco audaz, mais ficou com o passar dos minutos e a crença de que a cada segundo ficavam mais perto de serem a primeira equipa africana nas meias-finais de um Mundial.

Aos 68’, Santos quis devolver Félix ao jogo português, depois de o ter “enjaulado” na ala esquerda. Tirou Ramos e chamou Leão, colocando Félix na dupla com Ronaldo, que passou a ter a missão de trabalhar na área, quando até então estava a procurar dar apoios frontais.

Depois, havia Leão. O perfil individualista do jogador não agrada a Santos, mas era um pouco disso que o jogo precisava. E houve alguns momentos de Leão.

Mas o que dizemos nós? Com dez minutos para jogar, não há discernimento colectivo ou técnica individual que tirem da frente tantas pernas marroquinas.

Félix tentou aos 82’, com uma grande defesa de Bono, mas o que restou de Portugal, tirando um cabeceamento de Pepe e um remate de Ronaldo já perto do fim, foi pouco – e mais perto esteve Marrocos do 2-0, salvo por Diogo Costa.

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