“Não vemos maneira de sair daqui”. A situação política do Peru encurralou estas jovens médicas

Retidas numa pequena cidade peruana, oito portuguesas vêem pela janela do hostel as manifestações contra a deposição e detenção de Pedro Castillo. Estradas e aeroportos estão bloqueados.

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Protestos contra a destituição de Pedro Castillo no centro de Cusco, uma das cidades mais importantes do Peru STRINGER/Reuters

Os anos passados a estudar Medicina e as muitas horas a queimar pestanas para o exame de acesso à especialidade seriam devidamente compensados com uma viagem ao outro lado do globo para conhecer uma das maravilhas do mundo. Com o que ninguém contava era que a situação política do Peru explodisse precisamente nesse momento, alterando todos os planos e lançando a incerteza sobre a data do regresso a casa.

Mafalda Calheiros e outras sete médicas recém-formadas da Universidade Nova de Lisboa e do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto, deviam estar agora num avião de volta a Portugal, mas em vez disso encontram-se em Ollantaytambo, uma pequena cidade não muito longe de Machu Picchu, impossibilitadas de sair.

“Ontem [quarta-feira] vimos que cortaram uma árvore e disseram-nos que era para impedir que as pessoas entrassem e saíssem”, conta Mafalda ao PÚBLICO. A conversa decorre por voltas das 7h locais (12h em Lisboa), a hora em que o grupo aproveita para sair à rua a comprar mantimentos. O mercado de frescos fecha às 9h e o restante comércio está encerrado grande parte do dia, relata a estudante.

O Governo peruano decretou o estado de emergência em todo o país a partir desta quinta-feira por um período de 30 dias. Desde a destituição e detenção de Pedro Castillo, acusado de orquestrar um golpe de Estado para se manter na presidência, os protestos têm decorrido um pouco por todo o país e incluem bloqueio de estradas, ocupação de aeroportos e confrontos com as autoridades. Até ao momento morreram oito pessoas.

Nas ruas de Ollantaytambo há pedras espalhadas pelas ruas e os manifestantes percorrem-nas gritando contra aquilo a que chamam “Congresso golpista”, de acordo com fotografias e vídeos que Mafalda Calheiros enviou ao PÚBLICO.

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Uma árvore bloqueia uma estrada de acesso a Ollantaytambo DR

Não estava previsto que o grupo viesse a esta cidade no chamado Vale Sagrado, onde existe um imponente templo inca e que vive sobretudo dos muitos turistas que ali afluem diariamente. Depois de chegarem a Lima na quarta-feira passada (o dia em que Pedro Castillo foi destituído e detido), as oito raparigas perceberam que teriam de alterar os seus planos. “As coisas estavam a piorar de dia para dia”, conta Mafalda, explicando que decidiram voar directamente para Cusco, a cidade que foi a capital do império inca e de onde se parte para Machu Picchu, desistindo de uma paragem intermédia.

“Na segunda-feira ainda passeámos por Cusco. Mas o nosso guia, que nos ia levar a Machu Picchu, avisou-nos que a situação ia piorar.” Foram aconselhadas a ir para Ollantaytambo, onde a situação está relativamente calma e onde se sentem “minimamente seguras”, conta Mafalda. “Não vemos maneira de sair daqui”, desabafa.

O grupo contactou a Embaixada de Portugal em Lima, que lhes terá dito para se manterem onde se encontram, por ser um sítio que garante alguma segurança. Na terça-feira, a embaixada emitiu um aviso a “desaconselhar viagens turísticas no e para o Peru” e a recomendar a quem está no país que “fique no hotel até a situação melhorar” e que “não viaje por estrada”.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros disse esta quinta-feira ter conhecimento de 40 portugueses que estão retidos no Peru. Destes, há pelo menos três grupos de pessoas que concluíram Medicina recentemente e que escolheram o país como destino de viagem de fim de curso, embora não se conheçam entre si. Um desses grupos ficou retido a meio caminho entre Lima e Arequipa, a segunda maior cidade peruana, devido ao bloqueio da estrada por manifestantes. De acordo com o jornal El Comercio, os cortes de vias estão já a originar escassez de bens essenciais em certas zonas, como produtos alimentares, rações para animais e medicamentos. Os principais aeroportos do país suspenderam as operações.

Mafalda Calheiros diz que os habitantes de Ollantaytambo “estão muito preocupados” e “muito assustados”. No hostel em que estão, as pessoas “tentam tornar a situação agradável”, mas “estão sempre a alertar que isto ainda vai piorar muito”.

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