Conselho de Ética lamenta diploma da eutanásia. Ordem dos Médicos mantém-se contra

Centro de Direito Biomédico não toma posição. Conselho de Ética queixa-se de que as suas recomendações não foram atendidas.

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A eutanásia volta a marcar a agenda política nacional EPA/Filip Singer

O Conselho Nacional de Ética e Ciências da Vida (CNECV) lamentou a versão final do diploma que visa despenalizar a eutanásia, aprovado esta quarta-feira na especialidade. O CNECV queixa-se de que apenas uma das quatro alterações que propôs integra a nova versão, mas o seu vice-presidente vê de outra forma e congratula o diploma. A Ordem dos Médicos ainda não olhou para a última versão do documento, mas garantiu manter-se “contra”. Também a Conferência Episcopal Portuguesa lamenta o diploma, enquanto o Centro de Direito Biomédico (CDB) não toma posição.

Maria do Céu Patrão Neves, presidente do CNECV, lamentou que os deputados não tenham incorporado no diploma final as recomendações do Conselho a que preside. “Fizemos quatro recomendações visando a melhoria do documento legislativo, e apenas uma — que é partilhada com a Ordem dos Psicólogos — foi atendida. Lamentamo-lo”, afirmou ao PÚBLICO.

“O objectivo do CNECV é o mesmo dos deputados: contribuir para a qualidade legislativa”, disse Patrão Neves, salientando que não ter incorporado as recomendações do CNECV “afectou de forma evidente a qualidade da proposta legislativa”.

“Lamentamos que os contributos válidos, apresentados em tempo oportuno, não tenham sido acolhidos no documento que será votado na sexta-feira”, reforçou em conversa com o PÚBLICO.

A CNECV chamava a atenção para o facto de a designação de "doença fatal" “ter caído nas últimas propostas legislativas”; considerava que “o médico que inicia, toma decisões e acompanha o doente devia ser um que o conhecesse profundamente e não apenas o que estivesse disponível”; questionava o “acesso imediato aos cuidados paliativos” do doente requerente da morte medicamente assistida e sugeria que este último fosse acompanhado por um psicólogo. Das quatro recomendações, só a última — sugerida juntamente com a Ordem dos Psicólogos — foi acolhida no diploma final.

“Certas palavrinhas

Esta não é, porém, uma posição consensual no seio da direcção do CNECV. André Pereira, jurista, presidente do CDB e vice-presidente do CNECV, frisando estar a falar em nome individual, diz considerar que o facto de se abrir a porta ao acompanhamento psicológico do doente e a criação do “prazo mínimo de dois meses para se concluir o processo [de eutanásia]” demonstram que “os deputados deram atenção ao CNECV”.

“Isto confirma que os deputados estão atentos às recomendações e levam a sério o que o CNECV escreve”, disse ao PÚBLICO. “Dou os parabéns a um texto que melhorou — e muito — graças à contribuição do CNECV”, acrescentou.

Reforçando que fala a título pessoal e que o CDB não toma qualquer posição sobre a aprovação do diploma na especialidade, o jurista considera que “existem todas as condições para regularizar um diploma que viabilize a eutanásia”.

“Há pessoas que gostam de se agarrar a certas palavrinhas – como ‘fatal’ —, mas a definição é claríssima. Como qualquer norma jurídica, só na prática poderá haver aprofundamento. Podemos andar mil anos a discutir, mas nunca haverá consenso”, assinalou ao PÚBLICO.

Ordem dos Médicos mantém-se contra

Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, disse ao PÚBLICO que ainda não teve acesso à última versão do diploma, razão pela qual não quis comentá-la. Todavia, explicou que a posição da Ordem dos Médicos relativamente à eutanásia continuará a ser “contra”. “Pelas razões invocadas nos vários documentos enviados ao Parlamento”, remata.

Em Junho, a Ordem dos Médicos insistiu que, caso a eutanásia fosse promulgada, não iria indicar qualquer médico para a comissão nacional de verificação e avaliação dos procedimentos clínicos da morte medicamente assistida, como a lei prevê. Não o fazendo, a lei poderá ficar “coxa”, uma vez ser esta a comissão responsável por validar os pedidos de eutanásia.

Também a Conferência Episcopal Portuguesa se mostrou contra a aprovação do texto. "É de lamentar que, numa altura em que as carências do sistema de saúde estão muito longe de ser superadas, possamos correr o risco de apresentar a proposta de recurso à eutanásia como solução mais rápida e menos onerosa", reagiu numa nota citada pela Lusa.

A aprovação da eutanásia está novamente a ser discutida no Parlamento. Foi aprovada na comissão de Assuntos Constitucionais esta quarta-feira com os votos favoráveis do PS, IL e BE, os votos contra do PCP, Chega e a abstenção do PSD, que esta semana quis referendar o tema.

Os projectos do PS, IL, BE e PAN sobre a morte medicamente assistida foram aprovados na generalidade a 9 de Junho, estando a ser trabalhados na comissão de Assuntos Constitucionais desde então. Em Outubro passado, os partidos chegaram a um texto comum. A votação global final desse texto deverá ser na próxima sexta-feira. Caso seja aprovado, o diploma será depois apreciado pelo Presidente da República.

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