Portugal tem de tirar a Suíça da neutralidade

É numa cidade estranha que a selecção nacional joga, frente à Suíça, o futuro no Mundial 2022. Se conseguir tirar os helvéticos da habitual neutralidade, parte do caminho português já estará feito.

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Vitinha observa Otávio. Provavelmente, só um deles jogará com a Suíça LUSA/JOSE SENA GOULAO

A história contemporânea diz-nos que a Suíça é tradicionalmente neutra no plano internacional, mas a geopolítica tem-nos dado, nos últimos anos, um conceito de “neutralidade activa” relativo a esta nação. Para seguir em frente no Mundial 2022, convirá a Portugal retirar os helvéticos dessa neutralidade – obrigá-los, no mínimo, à tal neutralidade activa que os exponha no jogo desta terça-feira (19h, RTP1).

É certo que a Suíça não parece ser a equipa defensiva que já foi há uns anos, mas também ainda não se presta a um ímpeto ofensivo considerável. No fundo, é uma equipa neutra – e quem pode criticar uma equipa que representa tão bem os valores da nação que representa?

Durante o Portugal-Uruguai, o jornalista australiano Matthew Marshall, a acompanhar os “cangurus” e Portugal neste Mundial, fazia uma correcção a si próprio, a propósito de algo que tinha comentado minutos antes entre jornalistas, na tribuna de imprensa: “Afinal, a Suíça não é a equipa mais aborrecida, o Uruguai consegue ser pior.”

A premissa tinha um alvo duplo e apontava ao perfil “chato” de duas equipas que gostam de manter uma certa neutralidade nos jogos. Pouca arte, muito trabalho. Muita defesa, pouca audácia. Este é o Uruguai. E é também a Suíça.

Com um capitão “atacado”

Tudo isto vai acontecer no estádio Lusail, na cidade com o mesmo nome. Por lá, como já contámos aqui, não se passa grande coisa.

É uma cidade de pouca vida durante o dia, mas com alguma luz durante a noite. Em geral, é um sítio de perfil algo enigmático. E até nisto há pontos comuns com a Suíça, que também é mais enigmática do que já foi.

Uma selecção unidimensional durante muitos anos parece estar dotada, hoje, de algumas camadas a mais no seu futebol. Ainda assim, mantendo o seu perfil neutro e pouco audaz.

Fernando Santos, seleccionador nacional, não “compra” esta tese por inteiro. Como é habitual nos treinadores, não se prestou a uma crítica ao adversário, optando pelo elogio que suavizará uma eventual derrota e reforçará uma possível vitória.

“É uma equipa de confrontos duros, de grande competitividade, sabe o que quer do jogo, estando a perder por 1-2 com a Sérvia, nunca perdeu o norte, encarou sempre com o mesmo foco. Espero uma Suíça assim. E não é nada defensiva”, argumentou na antecipação do jogo, contrariando a teoria que aponta os suíços como “retranqueiros”.

O “caso” Cristiano Ronaldo

Ainda assim, o técnico português reconhece que “não é uma equipa de vertigem, ao contrário da Coreia”, dando a entender que espera um adversário que só sai “pela certa” e sem grandes avalanches ofensivas de vários jogadores.

Nessa medida, Portugal poderá jogar em ataque posicional durante bastante tempo deste jogo, algo que pode deixar João Félix definitivamente à frente de Rafael Leão na hierarquia.

Questionado sobre se o futebol mais vertical e individual de Leão dificulta a entrada do melhor jogador da Liga italiana nesta equipa, Santos não teve pudor em reconhecer que é um entrave. “Tem tido as dificuldades normais de alguém que joga num clube [AC Milan] onde tem tanta liberdade, não equilibra tanto o jogo e não ajuda tanto na defesa. Aqui, tem tido mais dificuldade. A minha equipa joga mais de pé para pé, com toda a gente a envolver-se e ele sente algumas dificuldades. Há jogadores que podem sobressair muito numa equipa e noutras terem mais dificuldade”, assumiu.

Leão deve ser uma arma para o decorrer do jogo, mas Ronaldo, por outro lado, deverá ter lugar no “onze”. E este será provavelmente o primeiro jogo na era Fernando Santos em que Portugal entrará em campo depois de uma crítica clara e aberta ao capitão por parte do seu seleccionador.

Santos assumiu que a “boca” no jogo com a Coreia era mesmo para si, cedendo ao poder das imagens, mas não avançou qualquer castigo ao jogador. Só quando soubermos os “onzes”, veremos se haverá Ronaldo, mas, pelo tom de Santos, é provável que haja.

Dalot e Vitinha pedem qualquer coisa

E que Portugal haverá, além de Ronaldo e Félix? A pergunta já foi, em tempos, de resposta mais fácil. Um jornalista suíço perguntou-me, após a conferência de imprensa, quais seriam os laterais de Portugal – parece ser um dos pontos que inquietam os helvéticos.

Disse-lhe que nem nós, portugueses, temos uma noção clara do que vai acontecer. Expliquei que, em tese, Cancelo e Guerreiro – até por não haver Nuno Mendes – são os titulares, mas que o desempenho de Diogo Dalot com a Coreia dificilmente não lhe dará o lugar no lado direito.

Nessa medida, apontei que a minha aposta seria em Dalot e Cancelo. Não perguntada pelo suíço foi a questão do meio-campo – mas também aí residem dúvidas.

Neves manterá a titularidade? O previsível muito tempo de jogo em ataque posicional “pede” Neves e a qualidade de passe do médio do Wolverhampton, mas as dificuldades portuguesas na transição defensiva “pedem” Palhinha, capaz de “matar” saídas suíças com uma eficácia diferente.

E Otávio? Estando bem fisicamente, e deverá estar, o portista é um dos titulares. Problema: Vitinha fez um “jogaço” frente aos asiáticos e “grita” por uma oportunidade numa equipa cujo modelo de jogo recente encaixa na perfeição nos melhores predicados do jogador do PSG.

Chamei-lhe “problema”, mas problemas destes todos os seleccionadores gostariam de ter.

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