Um Líbano nos cuidados intensivos recebe uma injecção do Programa Alimentar Mundial

No meio da pior crise económica em 172 anos, incapaz de escolher um Presidente e com um surto de cólera, a notícia positiva para os libaneses é que vão obter mais de 5 mil milhões de euros de ajuda.

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Protesto contra os bancos no Líbano WAEL HAMZEH/EPA

Mergulhado numa das piores crises da sua existência enquanto Estado independente – nesta terça-feira assinalaram-se os 79 anos sem a habitual parada militar –, o Líbano vai descobrindo que o fundo onde parecia já ter batido era apenas um socalco e que piores dias virão para a sua crise económica, política e institucional.

Depois da cólera da população contra os dirigentes e um sistema político que levou o país para um beco que parece não ter saída, agora chegou a cólera propriamente dita, em formato de doença. A Organização Mundial de Saúde já tinha contabilizado até esta terça-feira, diz o jornal Ouest-France, 2700 casos e uma vintena de mortos.

“Nunca poderíamos imaginar uma coisa dessas!”, afirma a chefe dos enfermeiros do hospital de campanha instalado na cave de uma mesquita de Bebnine, uma vila do Norte do país. São 35 a 40 casos por dia de doentes de cólera.

No distrito de Akkar, o mais pobre do Líbano, não há água potável e a electricidade só chega quatro horas por dia. Os esgotos estão a céu aberto e a recolha do lixo não é assegurada. A maioria da população tem de recorrer a água contaminada para as necessidades diárias, refere o mesmo jornal.

Akkar é o retrato trágico do estado deplorável em que se encontra o Líbano depois de anos de corrupção e má gestão política. Sem Presidente (a sexta tentativa para escolher o substituto de Michel Aoun, que terminou o mandato a 31 de Outubro, fracassou na quinta-feira depois de mais uma luta entre partidos não ter chegado a consenso), com um Governo liderado por um primeiro-ministro interino, Nayib Mikati, o país é um velho navio à deriva.

“A situação no Líbano não será corrigida se não se eleger um Presidente, formar um governo e restaurar as relações libaneso-árabes, especialmente com os países do Conselho de Cooperação do Golfo”, disse o grande mufti do Líbano, o xeque Abdel Latif Derian, citado pelo Arab News.

Nesta terça-feira, no mesmo dia em que se assinalava sem pompa nem circunstância os 79 anos do país, Najib Miktati anunciava que o Programa Alimentar Mundial reservou um orçamento de 5,4 mil milhões de dólares (5,26 mil milhões de euros) para ajuda ao Líbano nos próximos três anos. Metade para os refugiados sírios e a outra para os libaneses.

É mais um sinal de como as condições de vida da população se deterioraram neste país que costumava ser de rendimento médio. Antes, a ajuda alimentar era dividida em 70% para os refugiados e 30% para os libaneses.

O Banco Mundial classifica a crise económica no Líbano como a pior desde 1850 e o presidente do Banco Central do Líbano anunciou que a taxa oficial de câmbio da moeda local vai mudar a 1 de Fevereiro de 2023: um dólar deixa de valer 8000 libras libanesas e passa a valer 15 mil libras. Em 2019, o câmbio de um dólar equivalia a mais ou menos 1500 libras libanesas.

Apesar da grande desvalorização da moeda, da subida da inflação e da taxa de desemprego, o Parlamento continua paralisado pelas disputas políticas e sem conseguir eleger o sucessor de Aoun – figura polémica e divisiva que se tornou Presidente há seis anos depois de dois anos de vazio de poder. E nenhuma solução de fundo é possível sem um Presidente escolhido e um primeiro-ministro de facto.

Num artigo para o The Hill muito crítico em relação a Aoun (“simbiose” da “classe política cleptocrática” libanesa), Patricia Karam, directora regional para o Médio Oriente e Norte de África do International Republican Institute, diz que é “improvável” que um novo Presidente possa salvar o Líbano. Mas sem um é que dificilmente se salvará.

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