Disney substitui presidente e faz regressar Bob Iger, o seu novo “CEO bumerangue”

Hollywood está “boquiaberta”, garante o New York Times. Bob Chapek foi afastado após dois anos de liderança que coincidiram com a pandemia e algumas polémicas.

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Bob Iger com a Minnie no Passeio da Fama de Hollywood, em 2018 Mario Anzuoni/Reuters

Nos últimos anos, Bob Iger era visto como o presidente-sombra da Disney, a gigante multinacional do entretenimento que no domingo voltou a instaurá-lo no cargo de CEO após dois anos de liderança de Bob Chapek. Agora Iger é também um “presidente-bumerangue”, o nome dado aos líderes de empresas que regressam aos cargos para tentar resgatá-las de momentos ou rotas problemáticas. A substituição de Chapek, que atravessou os mares agitados da pandemia, está a ser classificada como uma decisão “chocante” que deixou Hollywood “boquiaberta”.

Foi num comunicado enviado no domingo que o conselho de administração do grupo do Rato Mickey anunciou a medida inesperada. “Num momento em que a Disney embarca num período cada vez mais complexo de transformação da indústria, Bob Iger está numa posição única para liderar a empresa neste período crucial”, escreveu Susan Arnold, presidente daquele órgão do grupo. Seguiam-se os agradecimentos a Chapek pelo seu trabalho na Disney, “incluindo a condução da empresa através dos desafios sem precedentes da pandemia”. Até à hora de publicação desta notícia, o agora ex-CEO permanece em silêncio.

A pandemia significou duas coisas para a Disney: por um lado, a contracção brutal do seu negócio presencial nas fileiras dos parques de diversões, dos cruzeiros e da exibição cinematográfica em sala; por outro, a aposta intensiva no streaming, para onde grande parte do público migrou durante os confinamentos e se manteve depois, reagindo ao medo dos ajuntamentos.

Se Bob Chapek foi o presidente que encurtou ou tornou simultâneas as janelas de estreia entre streaming e salas e apostou no desenvolvimento da plataforma Disney+, Bob Iger tinha sido o homem que expandira a Disney com uma política de aquisições que viria a tornar-se essencial para a definição da paisagem actual do entretenimento made in América, com a compra da Pixar, da Marvel Studios ou da Lucasfilm, numa política de concentração que culminaria com a compra da Fox.

Agora, Chapek sai apesar de ter visto renovado o seu contrato há meros seis meses. Iger, que inicialmente tinha ficado na sombra como presidente executivo, afastara-se do cargo há 11 meses. É por isso que a notícia — uma decisão “chocante”, como a classifica a revista especializada Hollywood Reporter, que deixou “Hollywood boquiaberta e gerou comparações com um guião pouco plausível”, como descreve o New York Times está a gerar muitas questões. “Foi um choque até para a maior parte dos altos dirigentes da Disney”, detalha a revista Variety. No fundo, Chapek foi despedido e Iger volta à empresa com efeitos imediatos e para um mandato de dois anos que deve “estabelecer a direcção estratégica para crescimento renovado” do grupo e também encontrar o seu novo sucessor.

Bob Iger é um dos nomes mais poderosos e reconhecidos da indústria. Foi o próprio que decidiu afastar-se do leme da Disney em 2020 e encontrou num dirigente da divisão de parques temáticos e produtos comerciais o seu substituto. Com Chapek, o foco no streaming exponenciou o crescimento da Disney+ ao ponto de a plataforma do grupo estar perto de rivalizar com a líder Netflix. Mas também houve momentos de má publicidade marcantes — uma luta judicial com Scarlett Johansson por causa dos dividendos devidos à actriz pelo filme Viúva Negra e a sua estreia em streaming, ou a reacção amorfa do grupo à polémica em torno de uma lei do estado da Florida que restringia os direitos da comunidade LGBTQIA+. O despedimento recente de Peter Rice, responsável pela pasta da televisão no grupo e visto até como um seu possível sucessor, foi também mal visto no sector.

Apesar dos bons resultados na frente digital, as publicações especializadas recordam que a Disney, apesar de todo o seu poder e da sua magnitude transversal, estava a começar a sofrer nos números e perto de desencadear despedimentos. É que se a aposta no streaming gera novos assinantes, está longe de fazer lucro (o investimento e com ele as perdas sem lucro ascendem a mais de 1,5 mil milhões de euros no último trimestre). A maior parte do negócio do streaming é ainda um empreendimento de poucos dividendos, embora algumas plataformas comecem já a dar a volta.

O “presidente-bumerangue” — é a revista Fortune que recorda que Iger se junta a nomes tão reputados quanto os de Steve Jobs (Apple) ou Jack Dorsey (Twitter) no rol de líderes que regressaram às “suas” empresas para as tentar recuperar em momentos difíceis — chegou à Disney em 1974 e ocupa cargos directivos desde 1995. Em 2005, sucedeu a Michael Eisner. Agora está “extremamente optimista quanto ao futuro” da empresa, diz no comunicado oficial. Num email enviado pelo próprio aos funcionários da Disney na noite de domingo, Iger admite no entanto que está de volta “com algum espanto”, cita o New York Times. Falará à empresa esta segunda-feira.

O mesmo diário nova-iorquino detalha, sem citar fontes, que a saída de Chapek se deve a “danos irreparáveis” na sua capacidade de liderança e que vários erros levaram “à perda de confiança de Wall Street e dos mais cimeiros líderes da Disney, bem como de muitos empregados das fileiras” de várias frentes laborais. Três fontes dizem ao New York Times que Iger foi convidado a regressar na quinta-feira passada.

A última apresentação de resultados da Disney não correspondeu às previsões do mercado e às próprias estimativas internas, o que é raro e foi bastante notado nas bolsas. As tais perdas de 1,5 mil milhões de euros comparam, pela negativa, com perdas 630 milhões em 2021. Os 20 mil milhões de euros de receitas do último trimestre não configuraram um crescimento tão significativo quanto o esperado pelos analistas, e o mesmo aconteceu no que diz respeito à valorização das acções do grupo.

O investimento forte na produção para o streaming e em tecnologia aumentaram brutalmente os custos e desequilibraram a balança. A reacção mediática não foi positiva e a desvalorização das acções, fenómeno que se tem mostrado transversal ao segmento do entretenimento, começou a pesar na administração da Disney, que já lidava com o descontentamento dos fãs quanto à subida de preços nos parques temáticos, por exemplo.

Em suma, “Bob Iger regressa como herói”, analisa a Hollywood Reporter, “para salvar a Disney”.

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