Nas grutas a evolução do vinho é mais lenta e isso é bom

O estágio de vinhos fora das adegas e de preferência em água ou em grutas tornou-se moda. Estaremos face a um caso de verdadeira alteração sensorial do vinho ou é apenas estratégia de marketing?

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O Vinho das Grutas estagiou nas grutas de Mira de Aire durante cinco anos Ernesto Fonseca/DR

O estágio de vinhos fora das adegas e de preferência em água (de mar ou rio) ou em grutas tornou-se moda. Já esteve mais longe o dia em que será notícia a colocação de um qualquer vinho francês ou californiano em Marte por Elon Musk (ou Jeff Bezos) para ver como a coisa evolui.

O leitor ficará curioso em saber se tudo isso faz sentido. Estaremos face a um caso de verdadeira alteração sensorial do vinho ou apenas perante uma estratégia de marketing? A resposta é simples: as duas variáveis misturam-se e podemos, de facto, provar que ocorrem curiosas mudanças no vinho. São muito notórias? Não, não são assim tão notórias. Mas lá que existem, existem.

Peguemos no Vinho das Grutas Reserva 2015, da Casa Ermelinda Freitas. Doze mil garrafas foram colocadas em 2017 nas grutas de Mira de Aire. O responsável das grutas – Carlos Jorge – é fã dos vinhos da Casa Ermelinda Freitas e, com o jornalista Amílcar Malhó, decidiu, há uns anos, abrir um tinto Dona Ermelinda Reserva, de 2004, que tinha estagiado 12 anos nas grutas, com aquela ideia de que o vinho já devia ter entregado a alma ao criador.

O vinho não só estava vivo como surpreendente. Com a excitação, contactaram Leonor Freitas e o enólogo Jaime Quendera, e lá se meteram no fundo da gruta 12 mil garrafas. A ideia era retirá-las e vendê-las em 2020, mas, como o mundo parou nessa altura, só este ano é que se fez a festa. E uma festa que teve direito a comunicação por vídeo do Presidente da República. Pois então.

Como Jaime não dá ponto sem nó, planeou a prova de maneira a que as largas dezenas de convidados pudessem provar o vinho que estagiou nas grutas e o mesmo vinho estagiado nas caves em Pegões. Em primeiro lugar, é preciso dizer que estamos perante um tinto clássico da casa da Península de Setúbal. Isto é, com muita fruta madura (ameixa, amora, mirtilos, cereja) e as notas da praxe de barrica de carvalho maioritariamente do primeiro ano.

Agora, que diferenças notamos entre o vinho testemunha e o estagiado na gruta? A matriz é mesma, mas o que esteve a uma temperatura constante de 16 graus desenvolveu notas de bosque (cogumelos), sendo que parece mais suave e sedoso na boca. Enquanto no vinho testemunha se notava mais o álcool e alguma adstringência, o das grutas parece-nos mais harmonioso.

Nada disso é propriamente uma novidade. Quando um vinho estagia a uma temperatura e a níveis de humidade constantes, o resultado é quase sempre interessante. É o caso. Lá está, a um bom vinho junta-se uma boa história. Não se pode pedir mais.

O Vinho das Grutas Reserva 2015, da Casa Ermelinda Freitas, custa 25 euros


Este artigo foi publicado no n.º 4 da revista Solo.

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