Portugal sem condenações por suborno internacional desde 2000, alerta a OCDE

A OCDE considera que Portugal precisa de reforçar o combate à corrupção internacional “urgentemente” e dá vários exemplos de casos suspeitos que não foram investigados até ao fim.

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Portugal falha em implementar medidas da OCDE para combater corrupção internacional Leonhard Foeger

Portugal falha em detectar actos de corrupção em transacções comerciais internacionais e, quando estes são detectados, as autoridades nacionais encerram prematuramente os casos sem antes investigar alegações relevantes. Mais do que isso, em duas décadas, o país não fez uma única condenação por corrupção internacional, apesar dos vários casos suspeitos que existem. Estas são as principais conclusões da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) na mais recente avaliação feita à aplicação, por parte de Portugal, da convenção de combate à corrupção internacional.

Em causa está a convenção da OCDE relativa à luta contra a corrupção de agentes públicos nas transacções comerciais internacionais, em vigor desde 1999 e ratificada por Portugal em 2000. Desde então, Portugal, à semelhança dos restantes países que assinaram a convenção, tem sido sujeito a uma avaliação da aplicação das medidas nela prevista, que resultou na publicação de relatórios com recomendações em 2002, 2007 e 2013.

A quarta fase desta avaliação foi lançada em 2016 e são as conclusões dessa fase que a OCDE divulga esta terça-feira, deixando duras críticas à actuação de Portugal nesta matéria, pela contínua incapacidade do país em implementar várias das recomendações que têm sido feitas nas últimas duas décadas. A título de exemplo, dois anos depois das recomendações feitas em 2013 (o período ao fim do qual os países alvo de recomendações devem apresentar os progressos relativamente à implementação das mesmas), só sete tinham sido totalmente implementadas, 19 apenas parcialmente implementadas e outras sete não tinham sido implementadas de todo.

Perante esse cenário, o grupo de trabalho responsável pela avaliação da aplicação das medidas da convenção decidiu revisitar a implementação das recomendações feitas em 2013 e a conclusão é preocupante: quase dez anos depois, a maioria destas recomendações continua por implementar.

Assim, a OCDE é clara em afirmar que Portugal precisa, “urgentemente”, de reforçar o combate à corrupção internacional. “Desde que a convenção de combate ao suborno da OCDE entrou em vigor, há mais de 20 anos, Portugal não fez uma única condenação por suborno internacional. A detecção destes casos permanece baixa e as autoridades portuguesas encerram prematuramente casos de suborno internacional sem investigar alegações relevantes de forma minuciosa e proactiva, com o número de casos encerrados a aumentar significativamente em relação à Fase 3 da avaliação”, pode ler-se num comunicado enviado pela OCDE às redacções.

A OCDE reconhece, ao mesmo tempo, reformas importantes feitas recentemente – em concreto, por exemplo, a Estratégia Nacional Anticorrupção apresentada no ano passado –, mas reforça que as mesmas não são suficientes. “Não obstante reformas recentes, Portugal não resolveu preocupações há muito existentes no grupo de trabalho [responsável pela avaliação da aplicação da convenção] e as sanções para o suborno internacional, contra pessoas singulares ou colectivas não parecem ser eficazes, proporcionais ou dissuasoras”, acrescenta o comunicado.

Vários casos, elencados no relatório agora apresentado, ilustram esta falta de eficácia da actuação de Portugal contra a corrupção internacional. Por exemplo: “Uma empresa estatal portuguesa, alegadamente, concordou em passar facturas falsas para ganhar um concurso para a oferta de serviços a uma empresa estatal em Angola. Portugal abriu um inquérito após um relatório de transacção suspeita, mas fechou o caso devido a falta de provas suficientes, em Maio de 2015”.

Outro exemplo: “Uma empresa portuguesa, alegadamente, pagou subornos ao então secretário de Estado dos Transportes da Argentina, para assegurar a venda de carruagens e locomotivas, em 2006. Portugal abriu um inquérito em 2014, na sequência de um pedido de cooperação internacional por parte da Argentina. Portugal reporta que as autoridades argentinas não conseguiram provar as alegações de suborno internacional e encerrou o caso devido a insuficiência de provas, em Maio de 2017. Em Abril de 2022, o secretário de Estado dos Transportes argentino foi condenado, na Argentina, por aceitar subornos para a compra de carruagens e locomotivas vendidos por Portugal”.

O grupo de trabalho da OCDE faz, assim, uma nova série de recomendações a Portugal, que vão da implementação de medidas para aumentar a sensibilização dos agentes públicos quanto à corrupção internacional, até medidas relacionadas com actos de denúncia (por exemplo, recomenda-se que o conceito de retaliação contra denunciantes seja alargado, para que não fique limitado a retaliações dentro do local de trabalho).

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