Exames nacionais: da exceção à regra?

Será de perguntar se a excecionalidade decretada, em tempos de pandemia, se deve ou não transformar em regra geral, adquirindo os exames nacionais um valor de transição para o ensino superior.

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Uma escola sem exames não é sinónimo de facilitismo ou diminuição da qualidade do ensino Nelson Garrido/Arquivo

Quando se fala com professores do ensino básico, destaca-se a referência à palavra inclusão, associada a outras, por exemplo, equidade e integração, traduzidas pela corrente expressão de que “ninguém pode ser deixado para trás”. Apesar da complexidade dos seus problemas, a escola pública é uma mais-valia para as crianças e para os jovens, possibilitando-lhes riquíssimas experiências de aprendizagem.

Por sua vez, a conversa com professores do ensino secundário é intersetada pelo mérito das aprendizagens e pela valorização das provas externas, sobretudo dos exames nacionais, que definem uma outra arquitetura curricular e pedagógica.

É certo que, a partir dos estudos de docimologia, realizados na segunda metade do século XX, se sabe que os exames são um recurso poderoso na estruturação de práticas pedagógicas, baseadas na competição e na valorização de certas áreas curriculares, cada vez mais coincidentes com o denominado currículo STEM (a sigla inglesa para Ciências, Tecnologia, Engenharia, Matemática).

Sabe-se, também, que a objetividade de uma classificação resultante de uma prova sumativa só é possível pela média de muitíssimos avaliadores.

Nas últimas décadas, a conceção dos exames nacionais tem sido alterada pela introdução de técnicas objetivas de testagem, nas diferentes modalidades de formular perguntas, bem como pela diversidade de opções que os alunos podem realizar, se bem que essa tendência não seja idêntica em todas as áreas e disciplinas.

Os resultados de uma avaliação sumativa, na forma de um exame ou de uma prova ou mesmo de um teste, dependem, assim, do conhecimento (conteúdos e competências) dos alunos, dos professores que assumem o papel de classificadores e do modelo de distribuição dos itens avaliativos.

No caso de um exame nacional, acrescentar-se-ão, ainda, fatores que intervêm na definição dos critérios de avaliação/classificação, pois a uma matriz de um dado teste, prova ou exame estará sempre associada a respetiva matriz de classificação, em que se define um determinado padrão para enquadrar as respostas dadas pelos alunos, não sendo despiciente o tempo concedido para a a sua realização.

Porém, a questão central do sistema educativo português não é a existência de provas de avaliação externa das aprendizagens dos alunos dos ensinos básico e secundário (nas modalidades de provas de aferição, provas finais de ciclo e exames finais nacionais), mas a articulação dessa mesma avaliação, no ensino secundário, com a avaliação interna realizada por cada escola.

Como aconteceu na grande maioria dos sistemas educativos, a pandemia obrigou à implementação de medidas específicas, nomeadamente a introdução do ensino remoto de emergência e a alteração da avaliação externa no que diz respeito à aprovação/certificação dos alunos nos ensinos básico e secundário e ao acesso ao ensino superior.

Em concreto, nos três últimos anos letivos, as provas finais, no ensino básico, e os exames finais, no ensino secundário, não foram considerados para efeitos de aprovação e certificação, mantendo-se os exames como provas de acesso ao ensino superior, totalmente desligados da avaliação interna de cada escola.

Por conseguinte, o regime de excecionalidade alterou o impacto dos exames finais nacionais na conclusão do ensino secundário e, cumulativamente, no acesso ao ensino superior, para os alunos dos cursos científico-humanísticos, contribuindo para a valorização da avaliação interna. Ou seja, nos últimos três anos letivos, os alunos que terminaram o ensino secundário tiveram apenas a classificação da avaliação interna, realizando exames às disciplinas que conferiam o acesso ao ensino superior.

Dissociando-se o ensino básico desta discussão, será de perguntar se a excecionalidade decretada, em tempos de pandemia, se deve ou não transformar em regra geral, adquirindo os exames nacionais um valor de transição para o ensino superior.

Esta possibilidade introduzirá uma nova visão sobre o ensino secundário, sabendo-se que o acesso ao ensino superior por parte dos alunos do ensino profissional tem regras específicas, bem como poderá alterar, a médio prazo, a transição para o ensino superior.

Poderá contribuir, ainda, para atenuar a não terminalidade do ensino secundário e para reforçar a avaliação interna das escolas, num maior equilíbrio entre avaliação das aprendizagens e avaliação para as aprendizagens.

Todavia, e por mais que a avaliação formativa seja efetivamente valorizada, com repercussões na qualidade do sucesso educativo, a “gramaticalidade” da avaliação sumativa necessita de ser mais explorada nas escolas, pois uma quota-parte do insucesso dos alunos poderá estar relacionada com a conceção, elaboração e validação dos instrumentos de avaliação.

Deste modo, a avaliação sumativa, presente nos testes realizados nas escolas e nos exames e provas finais de ciclo que constituem a avaliação externa, influencia as práticas escolares e pode potenciar, de modo direto e/ou indireto, o insucesso escolar. Tratar-se-á, deste modo, de assegurar, ao nível das escolas, a qualidade técnica e científica dos instrumentos de avaliação interna, como faz o IAVE para a avaliação externa, contribuindo para a qualidade do processo de classificação dos instrumentos de avaliação, como se observa na declaração dos seus objetivos estratégicos.

Sendo viável uma escola do ensino secundário sem exames nacionais com peso na atribuição da avaliação interna – mantendo-se, contudo, para o acesso ao ensino superior, naquilo que poderá ser considerada uma fase transitória, porque o caminho a percorrer será o da consagração total da terminalidade do ensino secundário – essa situação não significará nem a banalização do facilitismo escolar, nem a diminuição da qualidade das aprendizagens escolares.

Mesmo assim, ter-se-á de admitir que com essa possível decisão aumentará o fosso entre escolas públicas e escolas privadas, ao nível dos resultados, e diminuirá a tendência para a elaboração de rankings de escolas, permitindo a sua avaliação através de outros indicadores, por exemplo, taxas de absentismo, interrupção precoce do percurso escolar, percursos diretos de sucesso no ensino científico-humanístico ou conclusão do ensino profissional e do ensino artístico especializado em três anos.


O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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