A falácia dos exames nacionais

Enquanto as instituições de ensino superior mantiverem este método como prova de ingresso - que, por sua vez, é feito pelas escolas do ensino secundário - continuarão a perpetuar com a desigualdade, já existente, entre alunos e alunas.

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Rui Gaudencio

Em Portugal, os exames nacionais são utilizados como forma de acesso ao ensino superior, sendo que a matéria avaliada engloba os três anos referentes ao ensino secundário. Porém, tal como José Augusto Araújo, da Escola Secundária de Caldas das Taipas, explica - e bem - no Correio do Minho, “à luz da Lei de Bases do Sistema Educativo português, o ensino secundário não é o ciclo preparatório do ensino superior. Portanto, o ensino secundário deve assumir-se como ciclo qualificante com objectivos e méritos próprios.”

O Ministério da Educação argumenta que os exames nacionais constituem a única forma de igualar as condições de acesso ao ensino superior. Urge, portanto, entender até que ponto esta forma de acesso ao ensino superior é uma forma eficaz e igualitária para todos e todas.

Primeiramente, comparemos a realidade dos alunos e alunas de uma escola pública com a vivida no ensino privado, tendo em conta que colocam estas duas realidades a competir, no mesmo concurso, pelo mesmo número de vagas. Ao longo dos três anos, numa escola pública, o professor ou a professora luta por cumprir o programa da disciplina, procurando ter um tempo extra para dar umas luzes aos seus alunos e alunas para os exames nacionais. Do outro lado do espelho, no ensino privado, há tempo para realizar, vezes sem conta, os exames nacionais dos anos anteriores, assim como analisar as respostas correctas.

Como é que é possível o Ministério da Educação falar sobre igualdade no acesso ao ensino superior, defendendo que os exames nacionais são a forma mais fácil de a obter, quando existem estas duas realidades tão distintas e desiguais?

Se o ensino privado possui uma melhor organização, preparação e profissionalismo, que se termine com o financiamento do Estado. A escola pública é uma obrigação do Estado, a privada é uma liberdade dos particulares. Este financiamento do ensino privado apenas acentua o desinvestimento, por parte do Estado, na escola pública.

Observemos, também, as realidades existentes dentro da própria escola pública. Enquanto alguns alunos e alunas têm a possibilidade para recorrer a centros de estudos ou explicações privadas, outros e outras têm de se contentar com o esforço exaustivo que os seus professores e professoras fazem diariamente. Esta acessibilidade desigual possibilita uma “preparação” divergente para os exames nacionais.

É refutado, por muitos e muitas, o método quantitativo actual que avalia o conhecimento obtido ao longo dos três anos, em apenas duas horas. Os exames nacionais possuem a utilidade de procurar o que os alunos não sabem, sendo esse o meio mais eficaz de diferenciá-los é, assim, legitimar o acesso restrito a determinados cursos.

Um estudo da OCDE afirma que o processo de trabalho nas escolas é “excessivamente centrado no momento da avaliação”, defendendo, em 2018, o fim dos exames no secundário como meio de acesso ao ensino superior.

Num estudo mais recente, a OCDE defende a necessidade de “repensar a relação entre aprendizagem formal e informal e reimaginar todo o conteúdo e forma de transmitir conhecimento”. O relatório, organizado em cinco capítulos, aborda o tema da identidade e pertença, afirmando que “os sistemas educativos devem encontrar respostas que permitam reduzir a fragmentação e discriminação e, nesse sentido, que permitam a personalização do ensino às necessidades de diferentes alunos”.

Falemos, portanto, da possibilidade de existir um modelo mais justo e igualitário. A professora e autarca do BE Graça Martins apresenta uma alternativa, “um modelo de acesso ao ensino superior por apresentação de portefólio individual e entrevista realizada pela e na instituição de ensino de acolhimento": “Seria um modelo mais equitativo e menos exigente para o sistema, além de retirar a influência estranha, provocada pelo formato em que se realizam os exames nacionais”, conclui.

Não é suficiente diminuir o peso percentual dos exames nacionais na nota de candidatura, ou impor apenas a média interna do ensino secundário como nota total de candidatura. É necessário cortar o mal pela raiz e diferenciar o ensino secundário do ensino superior. Enquanto as instituições de ensino superior mantiverem este método como prova de ingresso - que, por sua vez, é feito pelas escolas do ensino secundário - continuarão a perpetuar com a desigualdade, já existente, entre alunos e alunas.

Nas últimas legislativas, o Partido Socialista apresentou no seu programa a seguinte medida: “Avaliar a melhoria a introduzir no acesso ao ensino superior, com vista à separação entre a certificação do ensino secundário e o acesso ao ensino superior e à valorização de todas as vias e percursos de ensino.”

Infelizmente, no Orçamento de Estado 2022 não há uma única palavra sobre o assunto. Talvez se cumpra no próximo ano.

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