O sector tecnológico português vale 18% do Produto Interno Bruto?

As percentagens citadas pelo ministro são arredondamentos, que não estão longe da verdade. Porém, o valor de mercado não pode ser comparado ao PIB.

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Durante o debate sobre o Orçamento do Estado 2023, o ministro da Economia repetiu no Parlamento números relativos ao sector tecnológico que já tinha referido uma semana antes na apresentação da Web Summit 2022 LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

A frase

Se existissem dúvidas de que a tecnologia está a mudar o sistema produtivo em Portugal, no ano de 2015 as nossas empresas tecnológicas valiam 1% do PIB, em 2021 passaram a valer 18% do PIB, 37 mil milhões de euros.

António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar, Parlamento, 27 de Outubro de 2022

O contexto

No segundo dia do debate sobre a proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2023, o ministro da Economia disse que as exportações vão valer 49% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano. Significa que as receitas das vendas ao exterior contribuirão com 49% das receitas da economia em 2022. Destacou depois que o turismo contribui com 20% dessa fatia, concluindo que o país não é só turismo. E foi nesta sequência que afirmou que as tecnológicas valiam 18% do PIB em 2021.

Os factos

António Costa Silva já tinha dito esta frase na apresentação da Web Summit 2022, mas nessa altura quase ninguém ligou. Ao repeti-la no debate do OE, deu-lhe mais projecção. Sem nunca corrigir as ambiguidades, que são o único problema desta afirmação.

Quando fala em empresas tecnológicas, não é claro a que se refere. Como diz o INE em resposta ao PÚBLICO, nas contas nacionais não existe um sector tecnológico. O que há são dados para sectores de alta e média-alta tecnologia e serviços intensivos em conhecimento de alta tecnologia. Mas os dados de 2021 para estes grupos de empresas – que incluem actividades muito diversas, como fabricação de armas, produtos farmacêuticos, automóveis ou televisão e telecomunicações – só serão divulgados em 2023. Portanto, o ministro não podia estar a referir-se a isto.

Assim, resta uma hipótese: o ministro invocou o valor de mercado das empresas tecnológicas. Isso mesmo acabou por ser confirmado pelo gabinete do governante, quando questionado pelo PÚBLICO. Mas valor de mercado é um conceito e um número totalmente diferente. Não entra no PIB. Já não trata das receitas que as empresas produzem, sendo antes o valor que alguém estima que elas têm, com base numa série de indicadores, caso estivessem à venda.

Esclarecido isto, pode-se verificar as percentagens referidas pelo ministro. Na plataforma Dealroom, usada pela Startup Portugal (em quem o ministro se baseou, segundo o seu gabinete), as empresas emergentes (startups) e em crescimento (scale-ups) portuguesas tinham um valor de mercado de 2200 milhões de euros em 2015 e de cerca de 40 mil milhões de euros em 2021.

O PIB de Portugal, na óptica do rendimento (isto é, salários mais rendimentos de capital, mais impostos e subsídios), foi de 179,7 mil milhões de euros em 2015 e de 214,5 mil milhões de euros em 2021.

Fazendo as contas: 2200 milhões de euros (o valor de mercado das startups em 2015) são 1,2% de 179,7 mil milhões (o PIB em 2015); e 40 mil milhões de euros (o valor de mercado das startups em 2021) são 18,6% de 214,5 mil milhões de euros (o PIB em 2021).

Conclui-se, por isso que, o ministro não esteve longe da verdade quando falou em 1% e 18%, podendo considerar-se que arredondou as percentagens – uma prática comum em debates desta natureza, quando estão em causa grandes números monetários.

O problema é que não se pode comparar o valor de mercado (a estimativa da riqueza acumulada, ou em “economês” um stock) ao PIB, que é um fluxo de dinheiro. Essa comparação é enganadora.

Exemplo: a empresa-mãe do Google, a Alphabet, registou em 2021 receitas de 278 mil milhões de euros e o valor de mercado era 1,9 biliões de euros (ao câmbio actual).

O valor de mercado da empresa equivale a 8,85 vezes o valor do PIB português, mas as suas receitas já só equivalem a 1,3 vezes as receitas de Portugal, isto é, ao seu PIB. A ordem de grandeza muda imediatamente e a primeira comparação é, por isso, enganadora, ao usar conceitos distintos.

Em resumo

As percentagens citadas pelo ministro são arredondamentos, que não estão longe da verdade. Porém, o governante não pode dizer que as empresas tecnológicas valem 18% do PIB, porque o valor de mercado não pode ser comparado ao PIB. Por isso, a afirmação do ministro é apenas parcialmente verdadeira.

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