Médico bielorrusso relata tratamento de soldados russos: “Alguns vivos invejavam os que tinham morrido”

Investigação da CNN mostra radiografias que um médico bielorrusso trouxe consigo, quando fugiu do país. Diz que são de soldados russos e que muitos mais foram tratados do que admitiu Lukashenko.

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A Bielorrússia realizou exercícios militares conjuntos com a Rússia antes da invasão, mas a dimensão do seu apoio terá sido muito maior BELTA/Reuters

O Presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, admitiu logo ao sexto dia da invasão russa da Ucrânia que o seu país estava a tratar soldados russos feridos em combate, mas disse então que o número total não seria maior do que 160 ou 170. Uma investigação da CNN divulgada esta quarta-feira revela que só nessa fase, quando a Rússia tentava conquistar Kiev, terão sido muitos mais.

A televisão norte-americana entrevistou médicos bielorrussos, activistas de direitos humanos, analistas militares e fontes de espionagem, concluindo que junto a Mazir, na fronteira entre a Bielorrússia e a Ucrânia, foram criados pelo menos dois hospitais de campanha e que o hospital civil daquela cidade e também os dois de Gomel foram usados para acolher militares russos feridos.

A investigação dá sobretudo ênfase ao testemunho de um médico que fugiu da Bielorrússia para a Lituânia com uma pen cheia de radiografias que diz serem de soldados russos. Andrei, nome fictício, trabalhava no hospital de Mazir e diz ter visto a cidade encher-se de veículos blindados e militares russos nos dias anteriores à invasão. A 24 de Fevereiro, quando a ofensiva foi lançada, os médicos terão sido instruídos para libertar 250 camas, a mandar o máximo de doentes possível para casa e a adiar todas as cirurgias planeadas.

“E disseram-nos que não podíamos divulgar qualquer informação acerca dos soldados russos. Tivemos de assinar um formulário de confidencialidade, impedindo-nos de divulgar fotos ou documentos”, disse Andrei à CNN.

Segundo este médico, que está agora com a família num país europeu não identificado, na segunda noite da guerra chegaram 30 soldados feridos, na terceira chegaram 90 e na quarta foram “mais de 100”. A partir daí, o ritmo diário era de cerca de 40. “Tive a impressão de que apenas uma pequena parte dos soldados enviados [para a frente] chegou viva ao nosso hospital. Percebi que alguns dos vivos invejavam os que tinham morrido”, afirmou.

As radiografias que trouxe consigo revelam os nomes dos soldados e as respectivas idades: a maioria tinha entre 19 e 21 anos. Revelam também um amplo espectro de ferimentos, desde fracturas expostas em várias partes do corpo a hemorragias internas provocadas por balas ou estilhaços.

Enquanto isso, a televisão estatal bielorrussa passava uma reportagem de aparente normalidade no hospital. As instalações estavam “sob vigilância durante 24 horas por dia”, diz Aliaksandr Azarau, que lidera uma organização de ex-polícias e membros do aparelho de segurança bielorrusso. Os agentes da KGB “avisavam os funcionários de que haveria responsabilidade pessoal se revelassem informação sobre pessoal militar em tratamento no hospital”, acrescenta.

A utilização das infra-estruturas bielorrussas não se ficou pelos hospitais, tendo também sido usadas morgues, que rapidamente ficaram cheias. Andrei relata que, por vezes, os mortos eram deixados no seu hospital por já não haver lugar para onde os levar.

O uso de hospitais bielorrussos terá terminado em Abril, segundo um assessor da líder da oposição a Lukashenko, Svetlana Tsikhanouskaia.

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