Morreu Adriano Moreira, um político que atravessou a História em desencontro com ela

No Estado Novo, esteve preso no Aljube, mas acabou por ser o ministro do Ultramar que revogou o Estatuto do Indigenato. Em democracia, foi presidente do CDS e vice-presidente da AR.

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Adriano Moreira foi ministro do Ultramar durante o Estado Novo e presidente do CDS LUSA/MIGUEL A. LOPES

Adriano Moreira, o político da história democrática com a maior longevidade, mal-amado, tanto pelo Estado Novo, como pelo início da democracia, morreu neste domingo, aos 100 anos, com as pazes feitas com a História, depois de muitos desencontros com ela.

“O verdadeiramente fascinante em Adriano Moreira é que, há muito, entrou na História, apesar de toda a sua vida ter sido feita de desencontros históricos. Chegou sempre cedo demais ou tarde demais a esses encontros”, escreveu Marcelo Rebelo de Sousa no dia do seu centenário, no sítio da Presidência da República.

Em ditadura, chegou a estar preso no Aljube, por defender um general oposicionista que participara na Abrilada de 1947. Mas acabaria por ser nomeado por Salazar para ministro do Ultramar quando eclodiu a guerra colonial em Angola, em 1961, e foi ele que revogou o Estatuto do Indigenato, que impedia os africanos das colónias de acederem à cidadania portuguesa. Dois anos depois, demitia-se do cargo, quando o presidente do Conselho lhe pediu para endurecer a sua política.

Em democracia, começou por ser saneado das funções oficiais e esteve exilado no Brasil, de onde regressou para, em 1980, voltar à política activa, como candidato a deputado nas listas da Aliança Democrática (AD). Filiou-se no CDS, que acabaria por liderar, entre 1986 e 1988, e continuou deputado até 1995. Em 2014, foi uma das 70 personalidades que defenderam a reestruturação da dívida pública como saída para a crise e, no ano seguinte, foi nomeado para o Conselho de Estado pelo CDS, onde ficou até 2019, já na Presidência de Marcelo Rebelo de Sousa, que lhe concedeu as duas últimas condecorações.

Adriano José Alves Moreira nasceu em Grijó, Macedo de Cavaleiros, no distrito de Bragança, a 6 de Setembro de 1922, mas cedo foi morar para Lisboa, onde estudou no Liceu Passos Manuel e se licenciou em Ciências Histórico-Jurídicas pela Faculdade de Direito de Lisboa, em 1944. Recém-formado, começou a exercer a advocacia, e o seu envolvimento num processo contra o então ministro da Guerra, Fernando dos Santos Costa, valeu-lhe uma detenção por dois meses no Aljube, onde conheceu Mário Soares.

Professor universitário com dezenas de obras publicadas, fortemente ligado ao actual Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), que dirigiu e ajudou a reformar antes do 25 de Abril, doutorou-se com a tese “O Problema Prisional do Ultramar”, editada em 1954 e premiada pela Academia das Ciências de Lisboa.

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Adriano Moreira durante uma visita a Angola em 1961 DR

Entre 1957 e 1959, Adriano Moreira fez parte da delegação portuguesa às Nações Unidas, e no ano seguinte ingressou no Governo de Salazar, primeiro como subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, e depois como ministro do Ultramar. Segundo o próprio, Salazar convidou-o para que pusesse em prática um conjunto de reformas de que falava nas suas aulas, mas posteriormente pediu-lhe para mudar de política e a sua resposta foi: “Vossa excelência acaba de mudar de ministro.”

Quando deixou o Governo, em 1963, voltou ao ensino e casou-se em 1968 com Mónica Isabel Lima Mayer, com quem teve seis filhos, António, Mónica, Nuno, Isabel, João e Teresa. Foi presidente da Sociedade de Geografia.

Adriano Moreira “representa uma direita que faz a transição do antigo regime para o novo sem que a transição seja feita de revanchismo, reescrita ou reversão da História”, dizia Adolfo Mesquita Nunes, antigo militante e governante centrista, ao PÚBLICO, na altura do seu centenário. E lembrava que, quando foi presidente do partido, no tempo do cavaquismo, trouxe um pendor social para o CDS: “Falava dos ‘novos pobres’ quando se vivia o tempo dos ‘novos ricos’.”

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Adriano Moreira e Mário Soares num debate na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, em 2011 Ricardo Castelo/nfactos

“A democracia foi bastante mais generosa com Moreira do que o Estado Novo”, lembrava Augusto Santos Silva, actual presidente da Assembleia da República e académico, sublinhando a importância dos seus estudos sobre segurança e defesa: “Tem uma influência vastíssima nos estudos militares e em todo o ensino superior militar, em todos os ramos. E é um dos grandes pensadores portugueses sobre o Estado, num sentido de continuidade histórica, para quem as mudanças de regime são relativamente secundárias e não se sobrepõem aos interesses nacionais.”

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