Brasil perde mais um fundador dos Novos Baianos, Luiz Galvão (1935-2022)

Dois anos depois de Moraes Moreira, morreu em São Paulo o poeta, cantor e compositor brasileiro Luiz Galvão, um dos fundadores do grupo Novos Baianos. Tinha 87 anos.

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Luiz Galvão DR

São dele letras de várias canções que fazem parte do património musical brasileiro, como Acabou chorare, Mistério do planeta, A menina dança ou Só se não for brasileiro nessa hora. Luiz Galvão, que fez dupla com Moraes Moreira (1947-2020) e depois fundou com ele o grupo Novos Baianos, morreu ao final da noite deste sábado em São Paulo, onde estava internado desde 19 de Setembro devido a uma infecção pulmonar. A notícia foi primeiro dada por familiares e amigos nas redes sociais e depois repercutida na imprensa brasileira ao longo do dia de domingo. Luiz Galvão estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Instituto do Coração, em São Paulo, onde foi submetido a uma cirurgia cardiovascular. O seu estado de saúde tinha vindo a agravar-se, acabando por morrer.

Registado como tendo nascido em 22 de Outubro de 1937, Luiz Galvão terá, na verdade, nascido dois anos antes, em 1935, segundo declarou à imprensa brasileira a sua esposa, Janete Galvão, dizendo que o registo de nascimento só foi feito dois anos depois. Daí que, a despeito desse registo oficial, a imprensa lhe tenha atribuído agora 87 anos completos.

Mas mais relevante do que isso é o facto de Luiz Galvão ter nascido na mesma terra de João Gilberto (1931-2019), Juazeiro, no norte da Bahia, e foi a partir daí que se lançou na música, já na capital, Salvador, primeiro em encontros com Moraes Moreira e depois fundando ambos o grupo Novos Baianos, com Paulinho Boca de Cantor, Pepeu Gomes, Baby Consuelo (hoje Baby do Brasil), Jorginho Gomes, Dadi, Bolacha e Baixinho. A sua estreia ao vivo terá sido, segundo a Enciclopédia da Música Brasileira (Art Editora, 1977), em 1968, em Salvador, com o espectáculo Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio.

Mas foi em 1969 que se tornaram conhecidos, ao participarem no V Festival da TV Record, defendendo a canção De Vera (que não se classificou) e acompanhando Tom Zé na canção Jeitinho dela. Zuza Homem de Mello, no seu livro A Era dos Festivais, Uma Parábola (Editora 34, 2003, pág. 365), escreveu: “A suave e ingênua De Vera (‘Falando de Vera/ e da primavera’), no lote das primeiras composições de Moraes e Galvão, era um samba chegado ao rock com muito suingue e foi ovacionada durante a apresentação naquela primeira eliminatória.” Apesar de eliminada, foi o primeiro grande sucesso do grupo, que a integrou no seu álbum de estreia, É Ferro na Boneca! (1970) assim os consagrando, escreveu Zuza, “como das mais conseqüentes propostas na música brasileira” na década de 1970.

A convivência com João Gilberto, nesses tempos, veio a proporcionar ao grupo a edição de um álbum que se tornaria histórico na música popular brasileira, Acabou Chorare, de 1972. O título foi inspirado numa frase da filha de João, Bebel Gilberto (hoje cantora), que no meio de uma conversa entre o pai e os Novos Baianos se estatelou no chão, desatando a chorar. O pai, preocupado, largou o violão e dirigiu-se a ela. Então, Bebel olhou-o e disse: “Não machucou papai, acabou chorare.” A história, que já foi contada em diversas épocas e entrevistas, é descrita no site Baby do Brasil (então Baby Consuelo), cantora do grupo, que estava lá e assistiu. E terá comentado depois, segundo a mesma fonte: “Esotericamente saídas da boca de uma criança, tais palavras nos mostravam que chegara a hora de acabar com o choro. Tínhamos lacrimejado demais. Queríamos o Brasil alegre de volta.”

Agora, ao saber da morte de Luiz Galvão, Baby escreveu no Instagram: “Já imortalizado na arte por suas letras maravilhosas, sua identidade poética, seu estilo inconfundível, Luiz Galvão, não apenas escreveu letras maravilhosas, mas escreveu uma das mais importantes páginas da nossa música brasileira: com o disco Acabou Chorare.” Por sua vez, Caetano Veloso, também no Instagram, lembrou a liderança de Luiz Galvão nos Novos Baianos, “acontecimento que se coloca entre os que mudaram o rumo da história do Brasil”, para concluir mais adiante: “Vamos sentir saudade dele - e também celebrar a peculiaridade de sua pessoa. Tenho a honra de ter sido parceiro dele em ao menos uma canção sobre o Farol da Barra [que é o título da canção de Caetano e Galvão]. Num barzinho do Campo Grande a dupla era Moraes e Galvão. Depois se multiplicaram em Baby e Pepeu e Dadi e tantos mais. Os dois já se foram, mas seu legado mantém o país capaz de muito mais do que parece.” [no vídeo que abaixo se reproduz pode ver-se Luiz Galvão a dizer a sua poesia acompanhado por Moraes Moreira na guitarra]

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