Lula e Bolsonaro usam dados falsos em debate marcado por confrontos sobre pandemia e corrupção

O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Presidente, Jair Bolsonaro, participaram, no último domingo, no primeiro debate da segunda volta. A Lupa verificou frases ditas pelos candidatos.

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Lula e Bolsonaro no debate de 16 de Outubro EPA/Sebastiao Moreira

O primeiro debate da segunda volta das eleições presidenciais brasileiras foi marcado por embates directos entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), mas também pela falta de respostas às perguntas feitas tanto pelos candidatos entre si, como por jornalistas e pelo retorno de informações falsas já desmentidas durante a campanha. No encontro, realizado por Band, TV Cultura, Folha de S. Paulo e UOL, Lula e Bolsonaro usaram a pandemia e a corrupção como armas nos discursos de ataque, mas esquivaram-se das respostas sobre os mesmos temas.

A Lupa verificou, ao vivo, as declarações dos dois candidatos durante o debate. As campanhas foram contactadas, mas não responderam. Confira três frases de cada candidato verificadas pela Lupa — e que foram consideradas falsas:

Lula da Silva

“Ele [Jair Bolsonaro] era deputado. Nunca fez discurso contra o Governo Lula”

Avaliação da Lupa: FALSO

O Presidente, Jair Bolsonaro, criticou os governos petistas como deputado federal. É possível consultar o site da Câmara de Deputados e pesquisar todos os discursos feitos por Bolsonaro que citavam o ex-Presidente Lula.

Em 2010, por exemplo, existem registos de Bolsonaro afirmando que o Governo PT tinha uma “adoração” pelo Governo cubano de Fidel Castro. Em Fevereiro daquele ano, criticou o uso de verbas do Governo federal em investimentos fora do Brasil. “Lula acabou de chegar a Cuba e, com ele, vão mais de 300 milhões de dólares em investimentos para a ilha de Fidel Castro. Já se investiram, até ao momento, quase mil milhões de dólares. No total, será de 1,2 mil milhões de dólares o investimento em Cuba”, disse, em Fevereiro. Em 2006, criticou ainda o Governo Lula por promover uma “sistemática campanha de desmoralização das Forças Armadas e dos seus integrantes”.

A BBC Brasil analisou 1540 discursos feitos por Bolsonaro no plenário da Câmara dos Deputados e observou que, no início da carreira, o Presidente realmente não falava muito sobre o PT. Ao procurar termos como “direitos humanos”, “PT”, “tortura”, “Cuba”, “esquerda” e “gays”, concluiu que essas menções tiveram um pico no mandato de Bolsonaro de 2011 a 2014, que coincide com o primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT). Ao todo, essas expressões aparecem 297 vezes nesse período. No primeiro mandato (1991-1994), esses termos só foram citados 41 vezes.

“Eu era o único Presidente do Brasil, da História do Brasil, convidado para todas as reuniões do G8”

Avaliação da Lupa: FALSO

O ex-Presidente Lula não foi convidado para todas as reuniões do G8, grupo que reúne Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Canadá e Rússia. Não recebeu o convite para participar nas reuniões de 2004 e 2010. Em 2004, Lula criticou o grupo por excluir o Brasil desse encontro.

“No nosso Governo, nada era escondido. A gente não tinha sigilo”

Avaliação da Lupa: FALSO

Entre 2003 e 2010, gastos da Presidência da República com cartões corporativos foram classificados como sigilosos, sendo considerados “informações estratégicas para a segurança da sociedade e do Estado”. Parte das despesas, contudo, conforme revelou uma reportagem do Estadão, era corriqueira e incluía produtos de limpeza, sementes e até comida para animais domésticos.

Em 2011, Dilma sancionou a Lei n.º 12.527, que acabou com a figura do sigilo eterno, e determinou um prazo máximo de cem anos para esse tipo de medida. Contudo, assim como Bolsonaro, a petista pediu o sigilo de cem anos de dados, como emails de um funcionário da presidência, além de documentos envolvendo a Odebrecht.

Jair Bolsonaro (PL)

“O senhor esteve, actualmente, no Complexo do Salgueiro. Não tinha um polícia ao seu lado, só traficantes”

Avaliação da Lupa: FALSO

A 12 de Outubro, Lula participou num acto de campanha no Complexo do Alemão — e não no Complexo do Salgueiro. Embora a Polícia Federal não tenha posicionado atiradores nem feito varredura nas casas próximas do comício do petista, isso não significa que não tenha havido policiamento ou segurança no local. Agentes estiveram próximos de Lula e dentro do carro aberto com o ex-Presidente.

Entre outras pessoas, participaram na caminhada ao lado do político o actor Diego Raymond, egresso do sistema prisional que foi acusado em redes bolsonaristas de ser “um dos maiores bandidos do Rio de Janeiro” e “assassino de polícias” — o que não é verdade. Embora ele tenha sido preso em 2010 por associação ao tráfico, foi libertado em 2011 e, actualmente, trabalha como actor e modelo.

Vale ainda sublinhar que redes bolsonaristas também associaram falsamente o boné com a sigla “CPX”, usado por Lula durante o evento, a grupos criminosos. A inscrição, no entanto, é a abreviação da palavra “complexo”, nome dado a conjuntos de favelas do Alemão, e não uma gíria falada por traficantes de drogas.

“Segundo a Abras, do mês passado para agora, os produtos da cesta básica, do supermercado, caíram em média 20%”

Avaliação da Lupa: FALSO

Entre Agosto e Setembro, o preço da cesta de 35 produtos de largo consumo monitorizados pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) caiu 1,71% (página 16). Esse é o dado mais recente, publicado a 13 de Outubro. Ainda de acordo com o levantamento, as maiores quedas foram do leite longa vida (13,7%) e óleo de soja (6,2%), ainda distantes dos 20% citados pelo candidato.

No mesmo levantamento, a Abras aponta que uma cesta mais restrita, de 12 produtos, caiu 9,89% entre Julho e Setembro — dado também diferente do citado por Bolsonaro.

“Esse orçamento [secreto] foi criado por Rodrigo Maia, sabidamente que queria tirar poder de mim”

Avaliação da Lupa: FALSO

O chamado “orçamento secreto” não foi proposto pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (então do DEM-RJ). A criação dessas emendas estava prevista no Projecto de Lei do Congresso Nacional (PLN) n.º 51/2019, de Dezembro de 2019, de autoria da Presidência da República. O projecto criava a figura das emendas de relator (RP-9) na Lei de Directrizes Orçamentárias (LDO) de 2020.

Pela lei, o parlamentar responsável pelo relatório do orçamento passou a ter o poder de escolher deputados ou senadores que passariam a receber as chamadas “emendas de relator” – modalidade que, ao contrário das emendas individuais, não tem distribuição igualitária e transparência. O Congresso Nacional aprovou e o Presidente Jair Bolsonaro sancionou essa nova regra — vetando somente um trecho que tornava a sua execução obrigatória.


Este trabalho resulta de uma parceria entre o PÚBLICO e a Agência Lupa.

Autores: Arthur H. Schiochet, Bruno Nomura, Carol Macário, Catiane Pereira, Gabriela Sopares, Iara Diniz, João Heim, Maiquel Rosauro, Nathália Afonso e Róbson Martins
Edição: Chico Marés, Leandro Becker, Marcela Duarte, Maurício Moraes, Natália Leal e Raphael Kapa

Nota do editor: o PÚBLICO respeitou a composição do texto original, com excepção de algumas palavras ou expressões não usadas em português de Portugal.

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