A insustentável crise alimentar mundial

Os produtos de origem animal são uma importante fonte de proteínas e nutrientes de alta qualidade, mas o seu impacto nos gastos dos recursos do planeta é indubitável.

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"É insustentável que cerca de 30% de todos os grãos produzidos tenha como destino a ração animal" Reuters/ALEXANDER ERMOCHENKO

A alimentação e a agricultura são, atualmente, assuntos fundamentais nas agendas internacionais. Por um lado, pelo impacto crescente das alterações climatéricas nos fluxos de produção, por outro, pelo reconhecido agravamento da crise alimentar decorrente da pandemia e das consequências do conflito na Ucrânia. De facto, as interrupções sentidas na cadeia e disponibilidade alimentares, foram, até agora, suficientes para afetar os mercados e as famílias, em todo o mundo, aumentando o número de pessoas em situação de insegurança alimentar. Em paralelo, as mudanças climatéricas aumentam o risco de colheitas pouco produtivas, de fenómenos catastróficos e de migrações em grande escala, agravando ainda mais os preços dos alimentos.

É conhecido que o sistema alimentar de hoje apresenta fragilidades, pois muito embora a quantidade de alimentos que produzimos anualmente continue a aumentar (mas com enorme impacto ambiental), o número de pessoas que vive sem acesso a alimentos e em insegurança alimentar mantem tendência crescente. Contudo, e muito embora haja espaço para melhoria no atual sistema alimentar, é urgente e crucial que a mudança seja alicerçada e catapultada por políticas alimentares que, em paralelo, informam a população sobre como fazer escolhas alimentares mais saudáveis. Importa ressalvar que a associação entre uma dieta nutricionalmente pobre e caloricamente densa está na base de muitos fatores de risco de doenças não transmissíveis, crónicas, em adultos e em crianças.

Existem muitas maneiras de melhorar os sistemas alimentares, mas poucas estratégias reúnem consensos alargados. As soluções poderão passar por encontrar alternativas à agricultura intensiva e devolvermos aos ecossistemas a capacidade de manterem a qualidade da água, do ar e do solo, ajudando a absorver as emissões de carbono, regulando a temperatura da superfície da terra. Em paralelo, a biodiversidade diminui e, consequentemente, a resiliência da natureza a combater doenças, limitando a capacidade do solo em produzir colheitas saudáveis.

Cria-se, deste modo, o espaço e a necessidade para outros métodos alternativos de produção alimentar, vingarem. Métodos como a agricultura vertical, a hidroponia, a aquaponia, entre outros – minimizadores do uso de químicos, em favor de maior rotação de culturas e sua diversificação, e com utilização de fertilizantes naturais - embora não tenham ainda a capacidade de serem usados em grande escala, são uma forte promessa no desígnio de uma produção mais sustentável, exista investimento e esforços nesse sentido.

Em paralelo, ter-se-ão de encontrar soluções ao nível das escolhas alimentares e dietas mais equilibradas, com maior densidade nutricional. Neste contexto, os produtos de origem animal são uma importante fonte de proteínas e nutrientes de alta qualidade, mas o seu impacto nos gastos dos recursos do planeta é indubitável. É insustentável que cerca de 30% de todos os grãos produzidos tenha como destino a ração animal, ao qual se deve acrescentar o impacto da deflorestação na área de produção. Como solução, os decisores políticos, deveriam criar as condições para que uma mudança para dietas com baixo teor de carne, e em especial da carne vermelha e processada, se processasse gradualmente. Tal mudança diminuiria o impacto do setor de alimentos nas mudanças climáticas, libertando espaço no planeta para a produção menos intensiva e para a conservação da biodiversidade, com benefícios amplamente reconhecidos para a saúde humana.

Por último a redução do desperdício, em toda a cadeia alimentar, reveste-se de particular importância, especialmente se tivermos em conta que 20 a 25% das calorias produzidas são perdidas no sistema de produção, transporte, preparação de alimentos e consumo.

As mudanças na forma como os alimentos são consumidos não serão provocadas apenas pelo comportamento individual. São necessárias mudanças estruturais nos mercados de alimentos e os governos devem garantir acesso a alimentos adequados, acessíveis e nutritivos e ter a capacidade de promover as mudanças necessárias no sistema alimentar que ameaçam o direito humano básico a uma dieta saudável.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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