Depois do efeito Nobel nas vendas, há mais exemplares da obra de Annie Ernaux a caminho das livrarias portuguesas

Em França, a Gallimard mandou reimprimir quase um milhão de exemplares. Em Portugal, depois de as suas obras terem começado a esgotar logo no dia em que foi distinguida com o Nobel da Literatura, já estão no prelo as reimpressões dos principais títulos de Ernaux.

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Annie Ernaux FRANCESCA MANTOVANI-EDITIONS GALlimard/Reuters

É um dos efeitos mais desejados e expectáveis do Prémio Nobel da Literatura: criar novos ou mais leitores da obra distinguida. E é o que está a acontecer com Annie Ernaux, que tanto esteve nas manifestações contra o aumento do custo de vida em França no passado fim-de-semana quanto está há mais de uma semana nos tops de vendas de vários países, Portugal incluído. A procura por O Acontecimento ou Os Anos é tal que em algumas livrarias não há já exemplares disponíveis e noutras a obra de Ernaux esgotou no próprio dia do Nobel — o mesmo dia em que a editora Livros do Brasil mandou reimprimir mais livros para responder à procura.

São José Sousa, editora da Livros do Brasil a cargo da obra da escritora francesa, conta ao PÚBLICO: “Tínhamos acabado de lançar O Acontecimento”, a tradução portuguesa do livro editado em França em 2000, “com uma tiragem para tempos convencionais. Assim que foi anunciado o Nobel mandámos logo reimprimir mais exemplares”. Não quantifica nem a tiragem original nem o reforço. Sabe que “logo no primeiro fim-de-semana [após o anúncio do Nobel, dia 6 deste mês] esgotaram em algumas livrarias”.

José Pinho, fundador e administrador das livrarias independentes Ler Devagar, gerente da histórica Livraria Ferin em Lisboa e coordenador da Vila Literária de Óbidos e do festival Folio – Festival Literário Internacional de Óbidos, é mais rápido. “[O efeito Nobel] é quase automático e no mesmo dia esgota”, explica ao PÚBLICO no rescaldo do mais recente Folio. “Aconteceu na Ler Devagar e acredito que tenha acontecido noutras livrarias independentes”, estima o director da Reli – Rede de Livrarias Independentes.

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Jean-Luc Melenchon, líder da Nouvelle Union Populaire Ecologique et Social e Annie Ernaux na manifestação de domingo contra a subida dos preços em França MOHAMMED BADRA/EPA

Há vários dias que os mais procurados na loja online da Bertrand Livreiros são um pódio Ernaux: Os Anos, O Acontecimento, Uma Paixão Simples. Na Wook, na segunda-feira, Os Anos estava também em terceiro lugar num site em que a não-ficção utilitária domina os mais vendidos.

Muitos leitores que se deslocaram a livrarias nos últimos dias não encontraram já edições portuguesas da obra de Ernaux, mas “já temos reimpressões feitas e este fim-de-semana já deveriam estar nas livrarias”, garante São José Sousa. Apesar das fortes disrupções nas cadeias de fornecimento causadas pela guerra na Europa e do impacto que isso tem tido no mercado editorial, “assumimos que estas reimpressões eram uma prioridade”, detalha a editora, e até conseguiram ter os livros prontos “mais rápido do que o habitual”. Estão a caminho das prateleiras novas edições de O Acontecimento, Os Anos e Uma Paixão Simples, diz. Os Anos, que o Ípsilon considerou “um dos melhores livros publicados em Portugal em 2020”, já tinha sido reimpresso em Janeiro de 2022, detalha.

Em Portugal, a Fnac parece mais imune ao interesse por Annie Ernaux e não tem qualquer das suas obras nos tops de vendas online. Na Amazon global não há sinais da escrita autobiográfica da autora premiada, e na versão francesa do maior site de comércio online do mundo não está entre os mais vendidos — mas tem duas obras entre as mais procuradas.

É uma versão digital bem diferente do que o diário francês Le Figaro diagnosticava há seis dias - um “incrível efeito prémio Nobel sobre a venda dos seus livros”. Na semana passada, a Gallimard, editora de Ernaux, mandou reimprimir mais 900 mil exemplares de títulos da autora, motivada pela elevada procura pós-Nobel que começou, descreve o jornal, na hora em que a Academia Sueca anunciou o seu nome.

Jean-Charles Grunstein, director comercial da Gallimard, dizia na semana passada ao Figaro que mesmo antes do Nobel, Ernaux “era já uma autora de sucesso, uma romancista de forte notoriedade internacional (muito lida nos EUA, na Alemanha e em Espanha, por exemplo) e que é apreciada por várias gerações, inclusive o público jovem”. Como era em Portugal? “Não era uma autora best seller mas as vendas foram sempre simpáticas, notava-se que tinha um conjunto de leitores fiéis”, explica São José Sousa. Agora, os que não a conhecem “têm o estímulo que faltava para a lerem”.

Em Portugal, a obra de Annie Ernaux tem sido publicada pela Livros do Brasil, que no mês passado editou então O Acontecimento; Uma Paixão Simples (publicada pela primeira vez em Portugal em 1993) e Os Anos, em 2020, são as outras obras da escritora francesa que recentemente foram traduzidas para português, somando-se ao volume Um Lugar ao Sol, seguido de Uma Mulher, editado também pela Livros do Brasil em 2000.

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