Numa quinta da Nova Zelândia, os cientistas estão a reduzir os arrotos das vacas para salvar o mundo

A Nova Zelândia tornar-se-á em 2025 o primeiro país a cobrar pelo preço das emissões agrícolas. E esta é uma das soluções para limitar as emissões: chama-se Kowbucha e é um probiótico para reduzir os arrotos (que emitem metano) que está a ser testado em alguns bezerros do país.

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Vacas na Nova Zelândia Henning Gloystein/Reuters/arquivo

Mais de uma dúzia de bezerros estão à espera numa quinta tornada centro de investigação na Nova Zelândia. Vão ser alimentadas com Kowbucha, um probiótico com um nome em jeito de trocadilho que reduz os arrotos (e, logo, as emissões de metano), segundo mostram os estudos feitos até agora. O pó de Kowbucha é transformado numa bebida parecida com leite para ser dado aos bezerros que estão na quinta da Universidade de Massey, na cidade de Palmerston North, na Nova Zelândia.

Estas rações alimentares fazem parte de uma série de ensaios que estão a ser feitos desde 2021 pela cooperativa Fonterra, uma multinacional gigante dedicada à indústria de lacticínios, para averiguar quão eficaz é este probiótico na redução de emissões de metano. A Nova Zelândia comprometeu-se a reduzir até 2030 as emissões de metano biogénico (emitido pelos seres vivos) em 10% em relação aos níveis de 2017. O objectivo é reduzir 47% até 2050.

O verdadeiro “momento eureka” aconteceu quando os primeiros resultados mostravam que os bezerros emitiam menos 20% de metano quando eram alimentados com o suplemento, afirmou Shalome Bassett, a investigadora principal no Centro de Investigação e Desenvolvimento da Fonterra.

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Bezerros a serem alimentados com o suplemento alimentar Kowbucha, que reduz as emissões de metano nos seus arrotos Lucy Craymer/REUTERS

“Os probióticos são óptimos porque são uma solução realmente natural”, disse Bassett à agência Reuters. “O que quer que façamos tem de ser algo que seja fácil para os agricultores usarem, tem de ser viável em termos económicos e temos de garantir que é bom para as vacas e que não tem qualquer alteração no leite.”

Os ensaios em curso têm mostrado resultados igualmente promissores, disse a cientista. Se assim continuar, a Fonterra espera ter saquetas de Kowbucha (nome parecido com o da bebida fermentada kombucha) à venda nas lojas até ao final de 2024, disse Bassett, antes de os produtores de gado terem de começar a pagar pelos arrotos dos animais. A empresa Fonterra afirmou que não tem ainda qualquer preço definido para estas saquetas.

Alguns aditivos alimentares disponíveis no estrangeiro foram ainda mais eficazes. O aditivo Bovaers, da Royal DSM, permite reduzir as emissões de metano em até 30% nas vacas leiteiras e mais ainda nos bovinos criados para consumo. A empresa Fonterra considera que a Kowbucha acaba por ser uma solução mais simples porque só tem de ser dada aos bezerros enquanto estão a ser criados, já que se espera que tenha um efeito prolongado.

Pagar pelos arrotos

A Nova Zelândia tornar-se-á em 2025 o primeiro país a cobrar pelo preço das emissões agrícolas, em que se inserem as emissões dos arrotos das vacas e das ovelhas, cujos sistemas digestivos produzem metano enquanto digerem a vegetação ingerida. As emissões agrícolas correspondem a cerca de metade das emissões de gases com efeito de estufa produzidas no país.

Além disso, os produtores de gado e agricultores, os comerciantes e os cientistas estão a tentar encontrar formas de reduzir as emissões sem terem de reduzir o tamanho do rebanho, já que a produção agrícola corresponde a mais de 75% dos bens exportados do país.

A par do optimismo inicial em torno da Kowbucha, os cientistas do instituto AgResearch disseram em Dezembro que tinham conseguido criar ovelhas que produzem baixas quantidades de metano, enquanto um produto chamado EcoPond, que quase erradica o metano nos esgotos das quintas, está à venda desde o final de 2021.

A Nova Zelândia também está a averiguar se os suplementos que têm tido sucesso no estrangeiro podem ser adaptados a nível local. Muita da ciência feita fora da Nova Zelândia foca-se na alteração da comida dada a animais de estábulo e é mais difícil de aplicar num país em que os animais vivem sobretudo ao ar livre e comem erva. “A maneira mais fácil de reduzir as emissões consiste basicamente em reduzir a produção ou ter menos animais, então esse é um verdadeiro desafio quando estamos ao mesmo tempo a tentar produzir comida e a manter os lucros de exportação ao mesmo nível que os queremos”, disse a economista agrícola Susan Kilsby.

Antes de 2025, o governo lançou uma proposta para que o metano biogénico e os gases de vida longa sejam cobrados separadamente. Esses preços serão definidos pelo Governo.

Ainda que a fixação de preços nas emissões resultantes da prática agrícola não seja universalmente popular, muitos acreditam que é o estímulo que muitos agricultores precisam para reduzir essas emissões.

Mike Manning, director-geral de Inovação e Estratégia na cooperativa agrícola Ravensdown, disse que os produtores de gado têm demorado a adoptar a sua tecnologia EcoPond caso não existam incentivos financeiros. “As pessoas pensam ‘bem, vou esperar até ter um preço para o metano e aí terei um impulso financeiro'”, acrescentou Manning.

Investigação

O Governo da Nova Zelândia disse em Maio que esperava gastar 380 milhões de dólares neozelandeses (o equivalente a cerca de 213,22 milhões de euros) em investigação ao longo de quatro anos para tentar combater as emissões agrícolas.

Esta injecção de capital pode acelerar a investigação e levar algumas destas tecnologias até às mãos dos agricultores e produtores de gado “o quanto antes”, disse Sinead Leahy, a principal conselheira científica do Centro de Investigação para os Gases com Efeito de Estufa na Agricultura, centro financiado pelo Governo. Muita dessa investigação já está em curso.

Depois de descobrir que algumas ovelhas produziam naturalmente menos metano do que outras, o instituto AgResearch criou ovelhas com esta característica hereditária e descobriu que as ovelhas que menos emitem estes gases produzem cerca de 13% menos metano do que aquelas que mais emitem. Se este tipo de cruzamento entre ovelhas fosse feito a nível nacional, seria possível reduzir até 1% das emissões de metano da Nova Zelândia, disse o AgResearch.

A indústria de lacticínios está agora a tentar aplicar esta investigação em vacas, disse Sinead Leahy.

Para a Fonterra, a investigação continua a ser essencial para limitar as emissões agrícolas aos níveis de 2015. Além da Kowbucha, também estão a testar outros aditivos alimentares e algas. “É verdadeiramente importante para nós sermos líderes nesta área. Os nossos agricultores precisam de uma solução e a Nova Zelândia precisa de uma solução”, afirmou Bassett.

Texto de Lucy Craymer/Reuters

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