Andamos presos a preconceitos quando falamos sobre cuidados paliativos?

Quando me perguntam o que faço recebo, invariavelmente, o silêncio e um olhar constrangido: “Cuidados Paliativos? Deve ser muito difícil ver as pessoas no fim de vida.” Neste sábado assinala-se o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos.

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Os cuidados paliativos "são um apoio para permitir às pessoas a maior estabilidade possível" Nelson Garrido/Arquivo

Ao longo das últimas décadas assistimos a imensos avanços na Medicina. A esperança média de vida aumentou e, com isso, o aparecimento de muitas doenças crónicas potencialmente fatais. Investiu-se cada vez mais na cura, no prolongamento da vida, em tratamentos e internamentos prolongados com um enorme impacto sobre os mais frágeis desta equação — o doente e a sua família.

Há algum tempo, estava a receber uma pessoa numa Unidade de Cuidados Paliativos, referenciada por um colega para tentativa de controlo de dor e falta de ar, quando os familiares leram na entrada – Cuidados Paliativos Agudos. De imediato recusaram o internamento porque o doente não estava a morrer.

Um dos principais mitos que rodeiam este tipo de cuidados é que são cuidados de fim de vida, quando já não há mais nada a oferecer. A realidade é que os Cuidados Paliativos podem e devem ser oferecidos em estádios precoces da doença, em simultâneo com tratamentos com intuito curativo. Porquê? Porque através de equipas de médicos, enfermeiros, psicólogos e outros profissionais é possível intervir no sofrimento físico, psicossocial e espiritual dos doentes e famílias. Como? Através de estratégias que incluem o controlo da dor e de outros sintomas, auxílio na gestão de tudo o que esteja associado à doença e ao tratamento de forma a garantir a qualidade de vida em cada etapa.

É uma intervenção que não acelera a evolução da doença, outra das ideias preconcebidas associada a este tipo de cuidados. São pensados em equipa e com a pessoa doente e família. Não significa que as equipas que vigiam o doente tenham desistido. É sim um investimento na qualidade do que é oferecido pelos serviços de saúde. Podem e devem ser propostos a pessoas que deles necessitem e não se limitam a quem tem uma doença oncológica. Todas as doenças, desde as neurológicas às respiratórias, passando pelas cardíacas, entre outras, podem, em determinada altura, beneficiar da intervenção dos cuidados paliativos.

Recordo uma situação em que, ao ser proposta alta do hospital, com apoio de cuidados paliativos, a filha de um doente, revoltada, disse-me que nunca seria possível ficar em casa. Os cuidados paliativos podem ser oferecidos no ambiente em que o doente se encontre, seja no hospital, em casa, no lar ou noutra estrutura. São um apoio para permitir às pessoas a maior estabilidade possível, evitando, por exemplo, idas desnecessárias aos serviços de urgência.

Utilizam medicação e estratégias que proporcionam conforto. Esta é outra ideia preconcebida, a associação entre cuidados paliativos, morfina e dependência. Na realidade, são usados medicamentos e estratégias que produzem alívio dos sintomas, sem causar nenhum tipo de dependência nem alterar o tempo de vida da pessoa.

A mudança de paradigma é urgente. Discutir e reconhecer a importância de garantir a qualidade de vida ao longo da doença é fundamental. Cabe a todos nós, profissionais de saúde e comunidade em geral, desmistificar este tipo de cuidados, garantindo que possam ser reconhecidos e acessíveis a todos os que deles necessitem.

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