Salesianos “tristes e perplexos” com denúncia de abusos sexuais imputados a Ximenes Belo

Bispo emérito de Díli passou nos últimos anos por várias instalações da congregação religiosa em Portugal. Mas salesianos alegam que se limitaram a acolhê-lo como hóspede, como lhes fora pedido. E garantem que Ximenes não tinha quaisquer “responsabilidades educativas ou pastorais”.

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Ximenes Belo vive há décadas em Portugal EVA CARASOL / PUBLICO

A Província Portuguesa da Sociedade Salesiana reagiu com “tristeza e perplexidade” às notícias que imputam vários casos de abuso sexual de menores a Ximenes Belo, bispo emérito de Díli e Nobel da Paz, que residia nas instalações dos salesianos, praticamente desde que deixou Timor-Leste.

“A Província Portuguesa, a pedido dos seus superiores hierárquicos, recebeu-o como hóspede durante os últimos anos. Desde que se encontra em Portugal não tem tido quaisquer cargos ou responsabilidades educativas ou pastorais ao serviço da nossa congregação”, escrevem os salesianos num curto comunicado, no qual salientam que, desde que assumiu funções na diocese de Díli, em Timor-Leste, primeiro como administrador apostólico e depois como bispo, Ximenes Belo “deixou de estar dependente daquela congregação religiosa”.

Antes de ser nomeado bispo, Belo era sacerdote salesiano. Terá sido por isso que os salesianos portugueses foram chamados a acolhê-lo. “O pedido de hospitalidade foi por nós aceite com toda a naturalidade por se tratar de uma pessoa conhecida e estimada por todos.” Já quanto às notícias de que Ximenes Belo abusou sexualmente de dezenas de menores nas décadas de 1980 e 1990 em Díli, e que foi avançada nesta quarta-feira em primeira mão por um jornal holandês, os salesianos portugueses nada dizem, alegando não disporem de “conhecimentos” para se pronunciarem e remetendo os necessários esclarecimentos “para quem tem competência e conhecimento”.

Desde que o De Groene Amsterdammer avançou com a denúncia, o silêncio tem sido a palavra de ordem dentro da Igreja. O PÚBLICO perguntou aos responsáveis pela imprensa no Vaticano se tiveram conhecimento prévio do caso e se é ou não verdade que, como sustenta o jornal holandês, foi por causa disso que Ximenes Belo foi pressionado para apresentar a resignação da diocese de Díli, em 2002, após o que se refugiu em Portugal. Os serviços do Vaticano, porém, nada adiantaram. O mesmo se passou com o representante diplomático da Santa Sé em Portugal, o núncio Ivo Scapoli.

Na altura, Ximenes Belo justificou publicamente o pedido de resignação com o profundo “cansaço físico e psicológico” que requeria uma “recuperação longa”. Mas a decisão provocou surpresa nos meios eclesiásticos, tanto mais que coincidiu com uma altura em que, apenas seis anos decorridos desde que fora galardoado com o Nobel da Paz, Ximenes atravessava “um período de glória”, como adiantou ao PÚBLICO uma fonte da igreja.

João Paulo II foi célere a aceitar pedido de resignação

Além disso, o Vaticano – com João Paulo II como Papa – foi inopinadamente célere a aceitar o pedido, o que deixa perceber que os boatos que então circulavam em Timor-Leste, e que imputavam a Ximenes Belo o hábito de convidar jovens rapazes para a sua casa, onde perpetrava os abusos, tinham já ressoado no Vaticano. Na reacção às notícias, o representante máximo do Papa em Timor-Leste, o núncio Marco Sprizzi, recusou comentários, porquanto o assunto corre “nos órgãos competentes da Santa Sé”.

Não tendo sido imposto qualquer afastamento das funções eclesiásticas a Ximenes Belo, o jornal holandês garante que este ficou desde então impedido de viajar sem autorização do Vaticano, tendo-lhe sido recomendado que vivesse de modo “discreto”. Mas, se assim foi, resulta difícil compreender como é que, apenas ano e meio depois de ter deixado o seu lugar vazio em Díli, Ximenes Belo interrompeu o seu exílio português e obteve autorização para ir como missionário para Moçambique, onde foi auxiliar de um padre local no trabalho com crianças. “Faço trabalho pastoral ensinando o catecismo a crianças, dando retiro a jovens”, declarou então, numa entrevista ao UCA News.

Findo aquele trabalho, Ximenes Belo, que tem permanecido incontactável desde que a notícia foi tornada pública, voltou à condição de hóspede dos salesianos portugueses. A congregação detém seis colégios em Portugal continental, a que se somam mais dois (no Funchal e em Cabo Verde), além de uma editora na qual, de resto, Ximenes Bel0 tem publicado alguns dos seus livros, maioritariamente centrados na história da Igreja em Timor-Leste. Uma das escolas, a de Mogofores, na Anadia, denominou a sua biblioteca com o nome Ximenes Belo. E uma breve consulta da actividade da congregação permite perceber que o bispo emérito de Díli era frequentemente chamado a participar em várias actividades.

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